Comitê da Cultura de Paz e Não Violência

O livro de Gene Sharp vem inspirando revoluções não-violentas em vários países do mundo. Lançado em 1993, Da ditadura à democracia já foi traduzido para 25 idiomas, inclusive em português, e está à disposição para download gratuito através do Albert Einstein Institute, fundado por Gene Sharp, 83, doutor em teoria política pela Universidade de Oxford e pesquisador no centro de estudos internacionais de Harvard. Sua admiração por Gandhi foi o ponto inicial, em 1940, de uma pesquisa que abala muitas ditaduras atuais.

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Abaixo, a entrevista de Gene Sharp à Folha de S. Paulo, feita por Gabriela Manzini, em 21/02/2011.

Folha – Quantos movimentos o sr. já testemunhou?
Gene Sharp
 – Não muitos. Estive pessoalmente na Palestina e em Israel e na Letônia, Eslovênia e Lituânia, onde o governo usou nosso trabalho. Estive também na Praça da Paz Celestial, na China, mas como observador.

E o movimento Otpor! [que depôs Milosevic, em 2000]?
Não estava lá durante o movimento, mas eles usaram dois dos meus trabalhos, inclusive “Da Ditadura..”, que publicaram em sérvio.

Como o sr. soube do uso de seu trabalho no Egito?
Pelos jornais. [Risos.] Não sabíamos, à época, que estavam pesquisando a mim. Eu aprecio a atenção e fico feliz de ter ajudado. Mas não sou nenhum herói. Os egípcios e tunisianos o são. Eles fizeram a lição de casa, lutaram de forma eficaz e venceram.

Mas o sr. reconheceu suas ideias nos protestos deles?
Não especificamente. Eles aprenderam a subtrair o medo, isso foi bastante incrível. É algo que Gandhi sempre enfatizava: ser destemido.
Eles também aprenderam a ser brandos. Mesmo nos surtos de violência, eles praticaram uma disciplina não violenta. Quando havia perigo, eles saíam dizendo: “pacífico, pacífico”, de modo a continuar com o trabalho.

O movimento egípcio sofre agora por não ter um líder. Foi uma falha?
Eu acho que o fato de não haver um líder, um mahatma ou um suposto santo para liderar o movimento é, provavelmente, uma coisa boa.
Significa que não existe ninguém que possa trair ou entregar o movimento. Significa que as pessoas assumiram a responsabilidade por aquilo que fizeram.
Deve ter havido um tipo informal de liderança, mas essa é a prova de que não são necessários líderes carismáticos para [um movimento] ser bem-sucedido.

O sr. diz que não se derruba uma ditadura com violência porque ela é quase sempre superior nisso. Mubarak tentou atacar, e os manifestantes resistiram. O que houve?
Sempre se espera que líderes solitários fiquem infelizes quando as pessoas começam a reaver o poder e resistir. A repressão é esperada.
O importante foi a resistência não ter se abatido e não ter adotado a violência. Muita gente foi assassinada, e eles ainda assim mantiveram a disciplina não violenta na maioria dos momentos.

Os egípcios podem ter trocado uma ditadura por outra?
É sempre um risco. Quando você depõe uma ditadura, há um período de confusão no qual os militares podem realizar um golpe de Estado, um grupo político pode realizar um golpe de Estado.

Isso já aconteceu, já que os militares estão no poder?
Não, ainda precisamos ver como eles irão se comportar.

E quanto aos receios sobre a Irmandade Muçulmana?
Não conheço a Irmandade Muçulmana nem nunca estive com seus membros, mas, pelo que ouço, às vezes, as pessoas que isolam a Irmandade Muçulmana têm paranoia, pensam que tudo será ruim. E os muçulmanos podem fazer algo não violento.
A Irmandade, que eu saiba, é o único grupo egípcio que tem “Da Ditadura…” em seu site, há vários anos.

O sr. acha que isso indica que eles querem democracia?
Não é uma garantia. É uma indicação de que não é preciso se apavorar a essa altura. Mas é preciso ficar atento a qualquer grupo que possa causar problemas.

Como o sr. avalia a reação dos EUA aos protestos no Egito?
De forma geral, acho que, quando há um esforço como esse, os EUA deveriam ficar de fora. Eles atrapalham. São as pessoas daquele país que têm de agir.

Há no Irã clima para uma ação nos moldes da egípcia?
Meus trabalhos circularam no Irã em sites e legalmente. Sou coautor de um pequeno livro publicado lá sobre a natureza da luta não violenta.
E os iranianos têm um excelente histórico. Em 1906, 1907, a Revolução Constitucional foi não violenta. Em 1979, a luta contra o xá foi, em grande medida, não violenta. E foi eficaz.
O problema foi que, uma vez deposto o xá, a população não se manteve vigilante, e os aiatolás puderam estabelecer uma nova ditadura, religiosa.
Mas as pessoas do Irã são totalmente capazes de fazer [uma revolução como a egípcia], porque já fizeram antes.

A democracia é assim frágil?
Às vezes, sim.

O sr. foi acusado por vários países de interferência. Isso o preocupa?
Nunca dissemos a nenhum grupo nem país o que fazer. Não dissemos a resistências o que fazer em seus próprios países.
O que fizemos foi tornar disponível o conhecimento sobre a natureza da luta não violenta, o que a faz avançar e o que a faz fracassar. E as pessoas podem usar ou não.

Há algum episódio que serve de modelo das suas ideias?
Nunca é exatamente o que previ porque minha análise é genérica, se aplica a qualquer sistema de opressão. Para as pessoas as aplicarem bem, precisam adaptá-las à sua cultura, suas reivindicações, seus fortes e fracos.

Qual foi a influência da internet nos protestos?
Não sou muito bom em tecnologias de comunicação, mas elas têm sido extremamente úteis. Só que mais importante que isso é o que se diz por meio delas. Você precisa fazer a sua análise. Se a tecnologia ajudar, ótimo.

E, como “revolucionário”, o sr. participa de redes sociais?
Não, deixo isso para gente mais talentosa do que eu.