Comitê da Cultura de Paz e Não Violência

Roberta Lotti – Palas Athena

No dia 4 de outubro, o teatro do Sesc Vila Mariana foi o anfitrião da 35ª Semana Gandhi, que trouxe reflexões sobre a vida e as práticas deste grande homem, além de apresentações culturais indo-brasileiras. “Há algo mais na vida do que ganhar velocidade”, mote do evento, foi uma frase proferida por Gandhi na ocasião da construção das ferrovias na Índia. Ele se preocupava com o fato de que os sistemas mecanizados, que apressam nossas vidas, nos distanciariam da Natureza. “Uma árvore leva 300 anos para alcançar sua maturidade, mas pode ser destruída em 15 minutos”, disse o primeiro palestrante, Makarand Paranjape, professor da Universidade Jawaharlal Nehru, em Nova Delhi. “Toda a obra de Gandhi faz uma crítica muito radical ao modelo de civilização moderna que, segundo ele, é autodestrutiva, pois a noção de prosperidade é baseada na exploração da Natureza até o limite. Esta violência contra a Natureza, que é também nossa matriz, é uma violência contra o outro”, afirmou Makarand.

Segundo o professor, esta crise que a humanidade está enfrentando é uma grande oportunidade, pois é na contradição que nos modificamos. Fazendo alusão à abertura do evento, em que o musicista Dino Barioni e a cantora Rita Braga apresentaram um canto devocional indiano fusionado com uma música de Lenine intitulada “Não deixo a vida me levar”, Makarand disse que precisamos tomar as rédeas de nossas vidas. “Tenhamos esperança de que virá uma nova consciência global, através da qual será possível nos salvar e salvar o planeta”, diz o professor.

As múltiplas faces da violência

A doutora em psicologia Denise Gimenes Ramos abriu esta mesa temática falando sobre a humilhação como um tipo de violência. “É uma prática que reduz a pessoa ao estado de coisa e um instrumento eficiente na repressão de grupos, destruindo a identidade coletiva”, disse a psicóloga junguiana. Denise trouxe diversos exemplos históricos e cotidianos de como a humilhação deixa cicatrizes indeléveis em nossa alma e lembrou como o próprio Gandhi sofreu inúmeras humilhações. “Certo dia, na África do Sul, ele havia comprado uma passagem de trem na primeira classe, mas foi obrigado a ir para a terceira, por ser indiano. Ao recusar-se, foi então expulso do trem. Seu transtorno foi tamanho que ele passou aquela noite fria inteira sozinho em uma floresta, refletindo sobre como poderia lidar com uma situação como aquela sem ser pela violência”, contou Denise. “Acho que a partir dessa experiência de Gandhi temos muito a aprender”.

Mas quais os caminhos para a superação? Segundo a psicóloga, é preciso questionar nossa inteireza. Consigo conter o que é ameaçador em mim? A partir desse reconhecimento, podemos transformar a humilhação em algo criativo. “Quando percebo que o outro é igual a mim, que temos a mesma humanidade, é impossível usar violência contra ele. O outro sou eu”, arrematou Denise.
O professor e médico José Romão Trigo Aguiar foi o último a palestrar e trouxe o ponto de vista da auto violência. “Estamos inseridos em uma cultura de violência banalizada e oficializada, mas é importante entender que a violência não é natural, não é óbvia!”, afirmou José Romão. “Existe uma grande contradição, pois mesmo sem querer, reproduzimos a violência. Isso ocorre por conta de um ciclo de dor, de sofrimento”.

O médico aponta algumas razões que nos impossibilitam acolher nossas contradições individuais, entre elas: não reconhecer nossa capacidade de amar e ser amado, trair nossos valores, romper com nossas responsabilidades éticas – a omissão perante uma opressão, por exemplo. Esses e outros elementos geram um processo de coisificação de nós mesmos e de consequente auto violência, que nos impede de entrar em um processo de mudança consciente.

Mitologia indiana em forma de dança

O evento foi encerrado magicamente pelos dançarinos do Estúdio Padmaa – Arte e Cultura, e pela professora Silvana Duarte, com a apresentação de dois números de Odissi. Originada em Orissa, terra dos templos, a dança guarda estreita ligação com o Sagrado e é uma das mais antigas danças da Índia. Caracterizada por sua graça lírica e pela expressão dramática ao retratar os textos da literatura Hindu, a apresentação encantou todos os presentes, deixando um gosto de quero mais para o próximo ano.