N�o-viol�ncia ativa:
um modo de vida
Richard Deats

Quando Martin Luther King Jr. foi para o semin�rio, acreditava que a mensagem de
Jesus ajudava as pessoas a se tornarem indiv�duos amorosos, compassivos, honestos,
corajosos, pacientes e gentis. Mas n�o entendia como tais qualidades pessoais poderiam
ser relevantes no tocante aos grandes males sociais do seu tempo: racismo, guerra,
opress�o, injusti�a. Ele ent�o estudou Gandhi e o movimento de liberta��o da �ndia. Ali
encontrou, em grande escala, um movimento de liberta��o que resistiu ao maior imp�rio
daquele tempo usando m�todos consistentes com o caminho da verdade e do amor. King
depois escreveu que o indiano Gandhi mostrou a ele que sua incredulidade em rela��o ao
poder do amor era infundada. "Vim a perceber pela primeira vez que a doutrina crist� do
amor, operando pelo m�todo gandhiano da N�o-Viol�ncia, era uma das armas mais
poderosas dispon�veis para os povos oprimidos em sua luta pela liberdade: "Gandhi
demonstrou de forma poderosamente atual as implica��es do Serm�o da Montanha".

Gandhi ensinou que Deus � Verdade e a Verdade � Deus, e que a natureza do
poder est� fundada na Verdade mesma. Gandhi intitulou sua autobiografia de "Minha Vida
e Minhas Experi�ncias com a Verdade", e nela escreveu que: "Para as pessoas de boa
vontade o �nico nome de Deus � Verdade". Os tiranos e opressores temem a verdade, por
isso constroem seu poder sobre mentiras, golpes, censura e viol�ncia. A arma mais
poderosa que os pobres e oprimidos possuem para lutar n�o � o uso maior nem mais
ardiloso da viol�ncia, nem mentiras em contra-ataque, nem propaganda, mas a Verdade
mesma. O mal pode ser vencido com aquilo que Gandhi chamava de satyagraha. Satya �
a verdade que se equipara ao amor. Graha � for�a. Satyagraha � a for�a da verdade ou a
for�a do amor. Hoje o termo n�o-viol�ncia vem sendo usado no lugar de satyagraha.

Antes de Gandhi o movimento de liberta��o da �ndia era subterr�neo, marcado por
�dio, assassinatos e bombardeios. Gandhi transformou a luta pela liberdade num
movimento aberto, que diz a verdade, n�o-violento. Leis opressivas e autoridades cru�is
eram confrontadas com a��es corajosas, marcadas pela verdade e pelo amor. Enfrentar o
�dio e a viol�ncia com �dio e viol�ncia � tornar-se igual ao inimigo. O sofrimento n�o
merecido por parte do seguidor da Verdade � fonte de reden��o.

Gandhi ensinava que n�o se deve trabalhar por uma causa nobre atrav�s de meios
conden�veis, pois os meios e os fins est�o interligados assim como a semente e a �rvore.
Para construir a sociedade sem classes ou para obter um crescimento r�pido do produto
interno do pa�s, o terror e a repress�o parecem ser justific�veis. N�o, dizia Gandhi. "Se
cuidamos dos meios, o fim cuidar� de si mesmo... Sempre temos controle sobre os meios,
nunca sobre os fins."

Martin Luther King Jr. descobriu o poder das percep��es de Gandhi na luta pelos
direitos civis. Descobriu que Gandhi havia penetrado no cora��o mesmo da mensagem de
Jesus: o sofrimento por amor e a Cruz. Isto contrasta muito com o cristianismo popular
que fala de Jesus mas ignora Sua mensagem. O cristianismo � popularmente apresentado
como uma doutrina em que se deve acreditar ao inv�s de um caminho de amor a ser
vivido. A B�blia n�o diz que "O verbo se tornou palavras". Diz que "O Verbo se fez carne".
Ser um seguidor de Jesus significa viver uma vida de amor e levar a cruz. King via a cruz
como "o poder de Deus para a salva��o individual e social". "Amar o inimigo", "dar a outra
face", "andar a segunda l�gua", "vencer o mal com o amor" eram ensinamentos de Jesus
para um povo oprimido que vivia sob o jugo cruel do Imp�rio Romano. King ajudou os
negros oprimidos a enxergarem que esta mensagem era dirigida a eles tamb�m. Juntos
eles cantavam "We shall Overcome" (N�s Venceremos). E venceram! Balas e jatos de
�gua, c�es policiais e cacetetes el�tricos n�o conseguiram det�-los. Suas igrejas foram
queimadas, e suas casas bombardeadas. Eles perderam seus empregos e foram levados
para a cadeia. Mas permaneceram fi�is ao seu compromisso com a n�o viol�ncia.
Descobriram que a verdade e o amor eram mais fortes que qualquer coisa que o inimigo
pudesse fazer contra eles.

Gandhi e King nos ensinaram a olhar de modo novo para a natureza do poder.
Muitos pensam erroneamente que o poder vem da viol�ncia, e que pode ser derrotado
somente por viol�ncia maior. Gandhi disse que "A for�a n�o vem da capacidade f�sica mas
de uma vontade indom�vel". A justi�a da causa indiana deu ao seu povo uma vontade
mais forte que o poderio b�lico brit�nico.
O professor Gene Sharp, em sua obra de treze volumes A Pol�tica da A��o N�o-
Violenta, diz que a ess�ncia do poder n�o est� no poderio militar, mas no povo. Ele �
governado pelo Estado at� o ponto em que aceita cooperar com o Estado. O Estado
perde seu poder quando o povo retira ou diminui sua coopera��o. Como escreveu Jose
Rozal, o grande patriota Filipino: "N�o h� escravid�o onde n�o houver escravos dispostos
a servir".
Sharp prossegue, examinando a n�o-viol�ncia como m�todo para resistir ao mal e
sobrepujar a injusti�a. Embora Gandhi e King sejam os mais famosos expoentes da n�o-
viol�ncia, Sharp procura exemplos de n�o-viol�ncia na hist�ria e encontra numerosos
casos de: protestos, persuas�o, n�o-coopera��o e interven��o n�o-violentos. Ele
documentou 198 m�todos espec�ficos de n�o-viol�ncia, e defende a tese de que s�o
formas exeq��veis e pr�ticas de lidar com a opress�o
� mesmo desconsiderando a base
religiosa para a n
�o-viol�ncia de Gandhi e King. Sharp mostra como pessoas comuns, que
n�o eram pacifistas nem santos, usaram a a��o n�o-violenta e "passaram a ganhar
sal�rios mais altos, quebraram barreiras sociais, mudaram pol�ticas governamentais,
frustraram invas�es, paralisaram um imp�rio e dissolveram ditaduras".

Quais s�o esses m�todos? Somente alguns tipos representativos ser�o
mencionados aqui, para sugerir a variedade e o escopo da n�o-viol�ncia.

INVESTIGA��O: Ao combater a injusti�a, a simples revela��o da verdade � sobre
mentiras governamentais, brutalidade policial, ou leis injustas, por exemplo � pode ser
tremendamente poderosa. Nada afugenta a escurid�o como a luz, nada enfraquece a
falsidade como a verdade. A investiga��o cuidadosa e honesta ajuda a divulgar a verdade
para um grupo maior de pessoas. Mesmo as v�timas diretas podem �s vezes desconhecer
a extens�o de sua opress�o antes que seja feita uma colet�nea s�ria dos fatos. Richard
Nixon tinha grande poder antes da investiga��o de Watergate erodir esse poder. A
Glasnost (transpar�ncia) p�s a p�blico a censura e mentiras que vinham sendo usadas no
bloco sovi�tico e acelerou o fim do controle totalit�rio.

EDUCA��O: Para que a investiga��o tenha sucesso, a not�cia deve se espalhar
para um c�rculo cada vez maior de pessoas. A educa��o n�o vem apenas da sala de aula
e dos livros; pode vir de um evento, um folheto ou uma palavra falada que comunica a
verdade. Quando reinava a lei marcial nas Filipinas, um boletim religioso chamado Signs of
the Times documentou quest�es importantes que n�o sa�am nos jornais. Quando o boletim
foi cassado pelo governo, outro boletim, com nome diferente, apareceu. Quando os
exemplares chegavam ao correio, antes mesmo de serem postados, eram passados de
m�o em m�o. Quando finalmente este boletim teve que parar de ser publicado, um bispo
continuou o trabalho atrav�s de suas cartas pastorais peri�dicas.

NEGOCIA��O: Devemos tentar negociar um acordo para uma quest�o sempre que
poss�vel. Todas as possibilidades devem ser tentadas. Se houver qualquer parte da lei na
qual possamos nos apoiar � por exemplo, a lei trabalhista � ela deveria ser a base de
negocia��es. Os africanos-americanos na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos n�o
recorreram a boicotes e ocupa��o de lugares reservados aos brancos antes de terem se
esfor�ado ao m�ximo para negociar um acordo. A negocia��o com uma padaria do
Mississipi fracassou e seus produtos foram boicotados. Por fim a padaria se mostrou
disposta a contratar africanos-americanos e a negocia��o se tornou vi�vel e, por fim,
bem sucedida.

BOICOTE: O boicote � uma forma muito poderosa de desafiar uma situa��o
injusta. Neste tipo de a��o cada indiv�duo pode fazer a sua parte, e se desejar, continuar
an�nimo. Gandhi liderou um boicote �s roupas de origem brit�nica, e promoveu o
renascimento dos tecidos feitos a m�o, o que ajudou de forma marcante para que os
indianos ganhassem autoconfian�a. O United Farm Workers (Sindicato dos Trabalhadores
Rurais), o sindicato dos trabalhadores mais explorados dos Estados Unidos, conseguiu que
milh�es de norte-americanos e europeus boicotassem a alface, e depois de alguns anos,
venceram a batalha desigual contra fazendeiros ricos e poderosos.

DEMITIR-SE: Pedir demiss�o para n�o participar de um sistema injusto � uma
forma de enfraquecer aquele sistema. Na Noruega durante a segunda guerra mundial
milhares de professores demitiram-se de seus cargos para n�o ensinar pelos padr�es
nazistas. Toda a Suprema Corte resignou para n�o aplicar a lei nazista. Os bispos e
pastores deixaram seus cargos na igreja estatal; continuaram suas atividades pastorais
mas n�o sob o controle das for�as de ocupa��o. Em 1963 no Vietnam sob o jugo de Diem,
47 professores da Universidade de Hue exoneraram-se ap�s ser demitido o reitor cat�lico
da universidade. O reitor havia sido demitido por apoiar a luta budista.

PROCISS�ES RELIGIOSAS: Em alguns lugares as passeatas s�o ilegais, mas as
prociss�es religiosas permitidas. No Brasil uma f�brica foi constru�da �s margens de um rio,
e o lixo t�xico come�ou a matar os peixes. Os pescadores sofriam com isso e tentaram
protestar, mas isso n�o foi permitido. Eles ent�o foram assistidos por um padre, que os
levou em prociss�o da igreja at� a f�brica. Cada pescador levou um peixe morto e o
depositou nos degraus da f�brica.
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