A Atualidade do
Pensamento Gandhiano
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3.Ao nos reunirmos, por�m, n�o s� criamos organiza��es e geramos poder, mas tamb�m
suscitamos o problema de exercer controle sobre o poder que geramos;
4.Numa sociedade interdependente, n�o pode haver irreconciliabilidade fundamental de
interesses;
5.No entanto, parece que nos convencemos de que h� interesses irreconcili�veis, e de que a
extin��o dos direitos dos outros � a �nica forma de proteger os chamados interesses
pr�prios.
Devo mencionar ainda outras quest�es.
1.Se a sociedade � interdependente, como acreditar que agredir os outros � o caminho para
nos protegermos, que ferir o outro n�o � ferir a n�s mesmos?
2.Se todas as conquistas fundamentais s�o edificadas sobre uma infra-estrutura de
interdepend�ncia, como poderemos creditar s� a n�s pr�prios (monopolizar, portanto) os
benef�cios que v�m dessas conquistas?
3.Se a interdepend�ncia governa a sobreviv�ncia e o progresso de nossa esp�cie, n�o
dever�amos aceitar que o amor, e n�o o �dio, � o corol�rio dela?
4.Como ent�o sustentar que a competi��o � a lei de nossa esp�cie, e n�o a coopera��o e o
cuidado com os elos mais fracos da corrente?
5.Se todas as conquistas se baseiam na interdepend�ncia, como � poss�vel alegar a posse
exclusiva dos frutos desse esfor�o, em vez de ver todo esse patrim�nio como um fundo em
benef�cio de todos aqueles que contribu�ram para sua cria��o, de modo direto ou indireto,
consciente ou inconsciente?
6.Se todos os seres humanos t�m a liberdade de pensar, � prov�vel que tamb�m cheguem a
diferentes opini�es. A supress�o de vis�es diferentes levar� � preserva��o da liberdade de
pensamento?
7.Devemos preservar a liberdade de pensamento aniquilando os que t�m outra opini�o, ou
faz�-lo por meio da reuni�o de provas, da persuas�o, da reflex�o conjunta, empreendendo
juntos uma viagem pelos procedimentos de apura��o dos fatos e outros processos que levam
a conclus�es?

Como todas as organiza��es geram poder, Gandhi preocupava-se tanto com o potencial
destrutivo deste quanto com o seu potencial criativo. Para assegurar que o poder fosse
usado para prop�sitos criativos, insistia em que ele tinha de ser empregado para benef�cio de
todos e n�o de uns poucos; e deveria ser usado sob constante e eficaz vigil�ncia e controle
por seu principal benefici�rio - o povo.
Ele queria, portanto: a) a diminui��o da concentra��o de poder; b) o aumento do poder de
resistir ao seu pr�prio abuso (por meio do Satyagraha - o compromisso com a verdade); c)
uma atitude de fiel deposit�rio, por parte daqueles que det�m ou geram o poder.
Gandhi acreditava que um adepto da verdade tinha o dever de defend�-la diante da falsidade
e do mal; que o mal s� pode ser vencido pela n�o-coopera��o com ele, pela resist�ncia de
uma for�a que lhe fosse superior; que essa for�a � a da mente e do esp�rito, que pode ser
gerada, mantida e ampliada pelo ser humano; e que o m�todo para desenvolv�-la consiste em
tornarmo-nos transmissores dessa for�a moral e espiritual superior - o Satyagraha.
J� salientei que a efic�cia do ser humano aumenta muitas vezes pelo fato de ele ser um ente
social. Muitas das conquistas da humanidade, no campo da cultura, da investiga��o cient�fica
ou da aquisi��o e transmiss�o de conhecimento, s�o resultado de coopera��o e esfor�o
organizado. Os seres humanos dependem dos outros membros de sua esp�cie para a
sobreviv�ncia e o progresso, incluindo a melhoria do padr�o de vida. Entretanto, como vimos,
a organiza��o necess�ria ao �nimo cooperativo tamb�m cria paradoxos.
No esfor�o para ampliar a efic�cia e desenvolver os paradigmas do progresso, os seres
humanos s�o levados a formar muitos grupos. Estes s�o diferentes em tamanho,
fundamentos, dura��o, e tamb�m na quantidade de poder gerada e usada para a consecu��o
de seus objetivos. Tais unidades associativas v�o desde a fam�lia at� o Estado soberano, e
passam por unidades territoriais administrativas, grupos �tnicos ou ling��sticos, unidades de
atividade econ�mica e assim por diante.
J� que toda associa��o tem por finalidade �ltima beneficiar o indiv�duo, Gandhi acreditava que
o grande teste para qualquer institui��o era verificar sua capacidade de ser libertadora ou
escravizante; se ajudava o indiv�duo a controlar o poder que tinha criado, ou se tendia a
coloc�-lo � merc� de um Leviat� incontrol�vel que ele mesmo havia ajudado a criar.
Quanto maior a organiza��o, mais distante fica a sede do poder e mais dif�cil control�-lo a
partir das bases. Foi pensando nisso que Gandhi destacou a rela��o entre tamanho e
controle. O af� de gigantismo levou � constru��o de estruturas que concentram poder e
solapam as possibilidades de controle e iniciativa.
Ele acreditava que a governan�a participativa, transparente e respons�vel, � poss�vel apenas
quando nos libertamos da atra��o do gigantismo no campo econ�mico e tamb�m pol�tico,
onde quer que uma associa��o de seres humanos em busca de maior efici�ncia gerasse
poder. N�o podemos dar valor � liberdade, e ao mesmo tempo barganhar ou deixar erodir-se o
direito ao controle, ou o dever da responsabilidade.
Gandhi tamb�m apontava para o fato de que, em unidades associativas que crescem ou se
expandem, dever�amos aprender com a lei que sustenta e governa a fam�lia, que � a primeira
e mais fundamental unidade constitutiva da sociedade. Essa � a lei do amor, que permite a
concilia��o de interesses e oferece a base para a coopera��o em benef�cio de todos.
Hoje, o Estado tornou-se um s�mbolo de soberania e tamb�m de viol�ncia estrutural. Ele �
visto como o �ltimo garantidor, o �ltimo reposit�rio e gerenciador das san��es que a
sociedade forja e emprega. Durante s�culos, o Estado vem sendo visto com rever�ncia, como
uma presen�a que tem o direito de exigir lealdade total e inquestion�vel daqueles que vivem
em seu territ�rio.
O s�culo 20 testemunhou desafios s�rios e fundamentais �s antigas teorias sobre o Estado
soberano. Perguntamo-nos hoje sobre o significado e a natureza da soberania; sobre o todo e
a parte e os respectivos pap�is das partes e do todo; sobre os direitos das regi�es
constitutivas ou grupos territoriais. Questiona-se se o Estado � um monolito, que goza da
ocupa��o exclusiva de um dado territ�rio, ou se as partes que o constituem t�m algum
espa�o em que possam habitar e trabalhar.
Levantaram-se tamb�m quest�es sobre os graus relativos de poder ou autoridade exercidos
por outras associa��es, dentro do Estado soberano. O novo s�culo talvez veja a evolu��o de
um novo equil�brio entre os respectivos pap�is, direitos e deveres das partes e do todo. �
bem prov�vel que tal equil�brio ofere�a mais espa�o para organiza��es volunt�rias, fundadas
na coopera��o e consentimento m�tuos, diferenciando-as daquelas que t�m graus vari�veis
de regulamenta��o, supress�o de dissentimentos e coer��o.
Foi o desejo de mais espa�o - espa�o para respirar, longe da coer��o e da fragilidade - que
se cristalizou nos movimentos pela restitui��o dos direitos e do papel da sociedade civil. As
fronteiras territoriais do Estado s�o feitas pelo homem. Muitas vezes, por�m, elas ganharam
seus contornos como resultado de guerras e conquistas, intrigas e fraudes, teorias sobre
identidade ou similaridade �tnica, ling��stica ou religiosa. Hoje, muitos Estados t�m dificuldade
de voltar a recorrer � for�a bruta e ilimitada das armas, para lidar com massas de cidad�os
comprometidos com a luta pela revis�o de sua identidade.
H� mostras crescentes do desejo de afirmar a "identidade" ou "distin��o" dos componentes
territoriais ou �tnicos dos Estados existentes. O desejo se manifesta muitas vezes pela
exig�ncia de subdividir Estados grandes, compostos de v�rios grupos �tnicos, ling��sticos
e religiosos.
As �ltimas d�cadas testemunharam programas abertos ou subrept�cios de ataques a minorias
�tnicas. A migra��o dos povos, ao longo dos s�culos, deixou elementos diversificados dentro
de territ�rios de um mesmo Estado. H� poucas �reas no mundo em que se podem encontrar
habitantes vindos todos de um mesmo ramo.
Id�ias atuais, inclusive as consagradas pela Declara��o Universal dos Direitos Humanos,
acenderam - ou reacenderam - o desejo de afirmar ou preservar "identidades". Com
freq��ncia, acredita-se que estas s� podem ser preservadas em unidades administrativas
separadas, ou Estados soberanos afastados. O uso da for�a por parte do poder central quase
que deixou de ser uma garantia de preserva��o do status quo, que muitas vezes se instaurou
por esse meio.
O campo que os governos tentam cobrir tornou-se muito amplo. Os governantes come�aram
a ter de lidar cada vez mais com a maioria dos assuntos que afetam a vida di�ria dos
cidad�os. Os meios de comunica��o tornaram as pessoas mais conscientes de seus direitos e
poder, e tamb�m lhes deram acesso � informa��o essencial para a tomada de decis�es que
as administra��es costumam assumir. Isso levou a uma exig�ncia quase irresist�vel de
governos participativos, respons�veis e transparentes, e tamb�m ao livre acesso �
informa��o sobre a administra��o e as demais a��es governamentais. Se essa exig�ncia n�o
puder ser satisfeita, teremos de pensar em formas e estilos administrativos que o fa�am.
Pergunto: ser� que os conceitos gandhianos de descentraliza��o administrativa, autogoverno
regional, amplia��o do governo no plano local e vigil�ncia constante das unidades inferiores
sobre as mais altas adquiriu crescente relev�ncia, � luz dessas exig�ncias? Ser� que o
empoderamento do povo, resultante do impacto da tecnologia e da educa��o, acentuou a
relev�ncia das id�ias de Gandhi nesse campo?
Com a expans�o dos poderes que o Estado reclama para si, e com o aumento das
expectativas do povo, h� crescente insatisfa��o com a maneira com que o Estado usa, deixa
de usar, ou usa mal os seus poderes.

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