Nesses tempos de "limpeza étnica", em que as monoculturas se espalham pela
sociedade e pela natureza, fazer as pazes com a diversidade logo se tornará um imperativo
para a sobrevivência.
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As monoculturas são um componente fundamental da globalização cujas premissas
são a homogeneização e a destruição da diversidade. O controle global das matérias
primas e dos mercados fazem da monocultura algo necessário.
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Esta guerra contra a diversidade não é algo novo. A diversidade vem sofrendo
ataques sempre que se tornou um obstáculo. A violência e a guerra originam-se na atitude
de tratar a diversidade como uma ameaça, uma perversão, uma fonte de desordem. A
globalização transforma a diversidade numa doença e numa deficiência, porque não pode
ser posta sob um controle centralizador.
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Monocultura e violência
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A homogeneização e a monocultura introduzem a violência em vários níveis. As
monoculturas estão sempre associadas à violência política - ao uso de coerção, controle e
centralização. Sem um controle centralizador e força coercitiva, este mundo repleto de um
tesouro de diversidade não poderia ser transformado em estruturas homogêneas, e as
monoculturas não poderiam ser mantidas. Comunidades e ecossistemas auto-organizados e
descentralizados geram diversidade. A globalização dá origem a monoculturas controladas
coercitivamente.
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As monoculturas estão também associadas à violência ecológica - uma declaração
de guerra à diversidade de espécies da natureza. Essa violência não só empurra as
espécies para a extinção, mas também controla e mantém as mesmas monoculturas. Elas
são vulneráveis e não-sustentáveis, e estão sujeitas ao colapso ecológico. A uniformidade
significa que uma perturbação em uma parte do sistema é traduzida em perturbação nas
outras partes. Em vez de ser contido, o desequilíbrio ecológico tende a ser amplificado. Do
ponto de vista ecológico a sustentabilidade está ligada à diversidade, que provê a auto-
regulação e multiplicidade de interações capazes de sanar desequilíbrios ecológicos em
qualquer parte do sistema.
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A vulnerabilidade das monoculturas
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A vulnerabilidade das monoculturas está bem ilustrada na agricultura. Por exemplo,
a "Revolução Verde" substituiu centenas de variedades locais de arroz pelas variedades
uniformes do International Rice Research Institute. O JR-8, lançado em 1966, foi atingido
em 1968-69 por uma bactéria, e atacado pelo vírus timgro em 1970-71. Depois foi
desenvolvido o JR-36 para resistir às 8 maiores doenças, incluindo bactérias e o vírus
timgro. Mas, sendo uma monocultura, esta variedade de arroz ficou vulnerável a dois
novos vírus: o "ragged scunt" e o "wilred scunt".
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As chamadas variedades milagrosas eliminaram a diversidade das culturas
tradicionais, e pela erosão da diversidade, as novas sementes tornaram-se um mecanismo
para a introdução e cultivo de novas pragas. As variedades nativas são resistentes a
pragas e doenças locais. Mesmo que certas doenças ocorram, algumas das variedades
serão suscetíveis, mas outras terão resistência e sobreviverão.
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Natureza e sociedade
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O que acontece na natureza também acontece na sociedade. Quando uma
homogeneidade é imposta a sistemas sociais diversificados através da integração global,
uma região após a outra começa a se desintegrar. A violência inerente à integração global
centralizada, por sua vez, gera violência entre suas vítimas. As condições da vida diária
tornam-se cada vez mais controladas por forças externas e os sistemas locais de governo
decaem; as pessoas agarram-se às suas identidades diversas como fonte de segurança
num período de insegurança. Tragicamente, quando a fonte desta insegurança é tão
remota que não pode ser identificada, povos distintos que viviam juntos em paz começam
a olhar uns para os outros com temor. As marcas da diversidade tornam-se rachaduras de
fragmentação; a diversidade torna-se então uma justificativa para a violência e a guerra,
como vimos no Líbano, na Índia, Sri Lanka, Iugoslávia, Sudão, Los Angeles, Alemanha,
Itália e França. À medida que os sistemas locais de governo se esfacelam sob a pressão da
globalização, as elites locais tentam agarrar-se ao poder manipulando os sentimentos
étnicos e religiosos que surgem em reação.
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Num mundo caracterizado pela diversidade, a globalização só pode ser implantada
destruindo-se o tecido plural da sociedade, bem como sua capacidade de auto-
organização. Gandhi via nessa liberdade de auto-organização política e cultural a base
para a interação entre diferentes sociedades e culturas. "Quero que as culturas de todas
as terras se espalhem o mais livremente possível, mas recuso-me a ser levado por qualquer
uma delas", dizia ele.
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Globalização
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A globalização não é a interação trans-cultural de sociedades distintas; é a
imposição de uma cultura em particular sobre todas as outras. A globalização também não
é a busca de equilíbrio ecológico numa escala planetária. Ela é a ação predatória de uma
classe, uma raça e muitas vezes um gênero de uma só espécie sobre todos os outros. A
palavra "global" no discurso do dominante é o espaço político no qual o dominante local
procura exercer controle global, livrando-se das responsabilidades que advêm dos
imperativos da sustentabilidade ecológica e justiça social. Nesse sentido, o "global" não
representa um interesse humano universal; representa uma cultura e um interesse
particular, local e provinciano, que foi globalizado através de seu alcance e controle, sua
irresponsabilidade e falta de reciprocidade.
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A globalização se deu em três ondas. A primeira onda foi a colonização da América,
África, Ásia e Austrália pelas potências européias há mais de 1500 anos. A segunda impôs
uma idéia ocidental de "desenvolvimento" durante a era pós-colonial das últimas cinco
décadas. A terceira onda de globalização, que se desencadeou há cerca de cinco anos, é
conhecida como a era do "livre comércio". Para alguns comentaristas, isto implica num fim
à história; para o Terceiro Mundo é uma repetição da história através do re-colonialismo.
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Globalização e Colonialismo
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Quando a Europa começou a colonizar as diversas terras e culturas do mundo,
também colonizou a natureza. A transformação do modo como percebemos a natureza
durante a revolução industrial e científica ilustra o modo como, dentro da mente européia,
a natureza como um sistema vivo auto-organizador se transformou em uma mera matéria
prima para exploração humana, que precisa ser gerenciada e controlada.
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"Recurso" originalmente denotava vida. Sua raiz latina é resurgere ou "ressurgir". Em
outras palavras, recurso significa auto-regeneração. O uso do termo recurso para a
natureza também implicava num relacionamento de reciprocidade entre a natureza e os
humanos.
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Com a ascensão do industrialismo e do colonialismo, deu-se uma mudança no
significado. "Recursos naturais" passou a significar matéria prima para a produção de bens
industrializados e comércio colonial. A natureza foi transformada em matéria morta e
manipulável. Sua capacidade de renovação e crescimento foi negada.
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A violência contra a natureza e a destruição de seus delicados inter-
relacionamentos foi uma parte necessária da negação de sua capacidade de auto-
organização. E esta violência contra a natureza, por sua vez, foi traduzida em violência na
sociedade.
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Tudo que fugia ao controle ou gerenciamento do homem europeu era visto como
uma ameaça. Isto incluía a natureza, as sociedades não-ocidentais e as mulheres. Tudo
quanto fosse auto-organizador era considerado selvagem, descontrolado e não-civilizado.
Quando a auto-organização é percebida como caos, cria-se o contexto para impor uma
ordem violenta e coercitiva em nome da melhoria e progresso do "outro", cuja ordem
intrínseca é então fragmentada e destruída.
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O medo ocidental do agreste e da diversidade a ele associada está intimamente
ligado ao imperativo da dominação humana, ao controle e domínio do mundo natural.
Assim, Robert Boyle, o famoso cientista, que foi também Governador da New England
Company em 1760, via a ascensão da filosofia mecanicista como um instrumento de poder
para dominar não apenas a natureza, mas também os habitantes nativos da América. Ele
declarou explicitamente sua intenção de livrar os Índios da Nova Inglaterra de suas idéias
absurdas sobre o funcionamento da natureza. Boyle atacou sua percepção da natureza
como "uma espécie de Deusa" e argumentou que "a veneração da qual estão imbuídos os
homens pela natureza tem sido um terrível impedimento para o império do homem sobre as
criaturas inferiores de Deus". O conceito do "império do homem" foi então substituído pelo
da "família da terra", onde os humanos estão incluídos no pluralismo da diversidade natural.
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Esta diminuição conceitual foi fundamental para os projetos de colonização e para o
capitalismo. O conceito de uma família terrena excluía as possibilidades de exploração e
dominação; uma negação dos direitos da natureza e das sociedades que reverenciam a
natureza foi necessária para facilitar a exploração e os lucros descontrolados.
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Globalização II: "Desenvolvimento"
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A guerra contra a diversidade não terminou com o colonialismo. A rotulação de
nações e povos inteiros como "europeus deficientes" teve uma segunda edição na ideologia
do "desenvolvimento", que oferecia salvação através de generosa assistência e
aconselhamento do Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, bem como de outras
instituições financeiras e corporações multinacionais.
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Desenvolvimento é uma palavra bonita que sugere uma evolução que vem de
dentro. Até meados do século XX era sinônimo de evolução enquanto auto-organização.
Mas a ideologia do desenvolvimento implicou na globalização das prioridades, padrões e
preconceitos do Ocidente. Em vez de ser autogerado o desenvolvimento passou a ser
imposto. Em vez de surgir de dentro para fora passou a ter orientação externa. Em vez de
contribuir para a manutenção da diversidade o desenvolvimento criou homogeneidade e
uniformidade.
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A "Revolução Verde" é um exemplo típico do paradigma do desenvolvimento. Ela
destruiu sistemas agrícolas diversificados, adaptados aos diversos ecossistemas do
planeta, globalizando a cultura e a economia de uma agricultura industrial. Exterminou
milhares de culturas e variedades de cultura, substituindo-as por monoculturas de arroz,
trigo e milho em todo o Terceiro Mundo. Substituiu aportes internos por aportes intensivos
de capital e químicos, criando dívidas para os fazendeiros e morte para os ecossistemas.
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A "Revolução Verde" não significou apenas abrir as portas à violência contra a
natureza. Por criar uma agricultura gerenciada externamente e controlada globalmente,
ela semeou a violência na sociedade. Mudou a estrutura dos relacionamentos sociais e
políticos - antes baseados em obrigações mútuas (embora assimétricas) dentro do vilarejo
- e agora transformados em relacionamentos de fazendeiros com seus bancos, lojas de
venda de sementes e fertilizantes, compradores de alimento, vendedores de máquinas
agrícolas e eletricidade. Os fazendeiros, pulverizados e fragmentados, relacionando-se
diretamente com o estado e o mercado, foram levados a uma erosão das normas e
práticas culturais. Além disso, diante da escassez de aportes internos, gerou-se conflito e
competição entre as classes sociais e entre regiões.
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A centralização do planejamento e alocação que possibilitou a "Revolução Verde"
não afetou somente a vida dos indivíduos, mas também a própria concepção que têm do
ser. Com o governo servindo de juiz, decidindo todas as questões, qualquer frustração
passou a ser uma questão política. Num contexto de comunidades diversificadas aquele
controle centralizado gerou conflitos comunitários e regionais. Cada decisão política
traduziu-se em termos da política do "nós" e "eles" - "nós" fomos tratados injustamente,
enquanto "eles" ganharam privilégios não merecidos. Uma pluralidade positiva tornou-se
dualidades negativas, competindo umas com as outras, competindo pelos escassos
recursos que determinam o poder político e econômico. A diversidade sofreu uma mutação
para tornar-se dualidade, uma experiência de exclusão. A intolerância da diversidade
tornou-se a nova doença social, tornando as comunidades vulneráveis ao colapso e à
violência, à decadência e à destruição.
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