Em busca do caminho das pedras
*WASHINGTON NOVAES

A divulga��o, na semana passada, do relat�rio anual Estado do Mundo,
produzido pelo respeitado Worldwatch Institute, teve desta vez mais espa�o na
comunica��o que em anos anteriores. Mas tamb�m nesta edi��o a �nfase de quase
toda a comunica��o brasileira n�o foi posta onde mais precisaria estar: na
demonstra��o da insustentabilidade dos padr�es mundiais de produ��o, consumo e
renda e na necessidade de novos caminhos - pois o consumo de recursos e servi�os
naturais j� est� al�m da capacidade de reposi��o do planeta, como t�m demonstrado
tamb�m os relat�rios do Programa das Na��es Unidas para o Meio Ambiente [Pnuma].

"O consumismo desenfreado", diz o Worldwatch, "� a maior amea�a �
humanidade." Al�m de esgotar recursos, piora a qualidade de vida de ricos e pobres.
Obesidade j� � um dos maiores problemas de sa�de no mundo: 65% da popula��o
adulta dos EUA, por exemplo, j� est� entre os obesos [gerando 300 mil mortes por ano
e US$ 117 bilh�es anuais de custos para o sistema de sa�de]. Nesse pa�s, s� um ter�o
das pessoas se consideram "muito felizes". E o endividamento progressivo atormenta a
maioria. Inclusive porque os 10% mais ricos da popula��o det�m 30% da renda,
enquanto os 10% mais pobres ficam com 1,8%. No mundo, apenas 1,7 bilh�o dos atuais
6,3 bilh�es de pessoas t�m capacidade de consumir al�m das necessidades b�sicas.

Mostrou-se que o crescimento do consumo mundial passou de US$ 4,8 trilh�es
em 1960 para US$ 20 trilh�es [mais de quatro vezes] e est� altamente concentrado -
60% s� nos EUA, no Canad� e na Europa, onde vivem menos de 12% da popula��o. Se
se somar o Jap�o e outros pa�ses industrializados, chega-se aos 80% da produ��o, do
consumo e da renda apontados pelos relat�rios da ONU como concentrados em na��es
com menos de 20% da popula��o mundial. Insustent�vel em termos ambientais, sociais
e pol�ticos, como disseram em 2002, na C�pula Mundial do Desenvolvimento
Sustent�vel, v�rios chefes de Estado e de governo da pr�pria Europa.

Para qu� tanto consumo? US$ 18 bilh�es anuais s�o para gastos com
maquiagem, US$ 15 bilh�es para perfumes, US$ 11 bilh�es para sorvetes na Europa,
US$ 14 bilh�es para cruzeiros em navios. Bastariam US$ 19 bilh�es anuais para eliminar
a fome no mundo [mais de 800 milh�es n�o t�m o que comer], US$ 10 bilh�es/ano para
prover todas as pessoas com �gua de boa qualidade [1,1 bilh�o n�o t�m], US$ 1,3
bilh�o/ano para imunizar todas as crian�as contra doen�as transmiss�veis, US$ 12
bilh�es para dar sa�de reprodutiva a todas as mulheres. A ONU vem repetindo isso h�
anos, em seus relat�rios sobre o desenvolvimento humano. Enfatizando que 2,8 bilh�es
de pessoas, quase metade dos seres humanos, vivem abaixo da linha da pobreza.
Enquanto o crescimento econ�mico no mundo desde 1950 multiplicou por sete o PIB
mundial, a disparidade de renda entre ricos e pobres dobrou.

O Brasil - s�timo maior consumidor do mundo - n�o est� fora da quest�o, j� que
apenas um ter�o da popula��o [57,8 milh�es de pessoas] pode consumir al�m do
suprimento das necessidades b�sicas [nos EUA os consumidores s�o 84% da
popula��o; no Jap�o, 95%; na Alemanha, 92%; na �ndia, 12%]. O consumo m�dio
brasileiro dos que podem comprar al�m do b�sico est� em US$ 7 mil anuais [US$ 21,7
mil nos EUA e na Europa, US$ 194 na Nig�ria].

Segundo o relat�rio, est� no Brasil o segundo maior consumo mundial de carne
bovina [ap�s os EUA]. No mundo todo, s�o 242 milh�es de toneladas consumidas
anualmente, o dobro do que era em 1997, cinco vezes mais que em 1950. Nos pa�ses
industrializados, consomem-se 80 quilos de carne por ano por pessoa; nos pa�ses ditos
em desenvolvimento, 28 quilos. O problema est� em que produzir uma caloria de carne
[bovina, su�na ou de aves] exige de 11 a 17 calorias em alimentos para os animais. Uma
dieta de carnes, para ser produzida, precisa de quatro vezes mais terras que uma de
vegetais. E produzir um quilo de carne bovina exige at� 15 mil litros de �gua, segundo
os relat�rios da ONU no F�rum Mundial da �gua, no ano passado, em Kyoto [um quilo
de gr�os, em m�dia 1.300 litros de �gua].

N�o � o �nico problema brasileiro na �rea de recursos naturais. J� somos o
quinto maior consumidor de petr�leo no mundo, cerca de 10,5 barris di�rios para cada
mil pessoas [nos EUA s�o 70,2 barris] e emitimos 1,8 toneladas de di�xido de carbono
por pessoa a cada ano. Somos tamb�m o quinto maior consumidor de energia el�trica
[1878 kw/h/ano/pessoa].

Que aconteceria no mundo se as dietas de hoje e o consumo dos mais ricos
pudessem ser estendidos a todas as pessoas? A demanda de recursos naturais exigiria
mais uns tr�s planetas como a Terra, dizem esses relat�rios. Mas a China, nas �ltimas
d�cadas, j� agregou 240 milh�es de consumidores ao mercado. Juntamente com a
�ndia, j� consome mais que a Europa Ocidental [juntos, os dois pa�ses t�m 2,4 bilh�es
de pessoas].

Que fazer? O pr�prio relat�rio do Worldwatch Institute prop�e alguns caminhos:

Uma reforma fiscal "ecol�gica", com impostos proporcionais ao consumo de
recursos e legisla��o que imponha padr�es m�nimos aos setores produtivos;
responsabiliza��o dos produtores pelo ciclo completo dos produtos - o que os
responsabilizaria tamb�m pelas embalagens, res�duos e destina��o final do respectivo
lixo; padr�es obrigat�rios de durabilidade a serem impostos aos produtores para eliminar
a obsolesc�ncia precoce; mudan�as nos padr�es pessoais rumo a um consumo
respons�vel.

"N�o vejo alternativa para a esp�cie humana sen�o a coopera��o", disse em sua
recente visita ao Brasil a escritora Hazel Henderson, cr�tica feroz do consumismo. �
verdade. Mas como introduzir a eq�idade como padr�o b�sico de comportamento para
reger seres humanos e na��es? Com que regras? Que institui��es?

Hazel Henderson acha que, "se voc� olha para o mundo real, e n�o para os
n�meros loucos, v� que, numa an�lise per capita, o Brasil � um dos pa�ses mais ricos do
mundo". Tamb�m � verdade, pensando em recursos e servi�os naturais. Mas quando o
Pa�s colocar� isso no centro de sua estrat�gia, como j� se comentou aqui v�rias
vezes?

*Washington Novaes � jornalista.
wlrnovaes@uol.com.br

Fonte: O Estado de S. Paulo � 23 de janeiro de 2004


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