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É um tema de dissertação que foi proposto várias vezes no exame de baccalauréat
[corresponderia a um exame final do nosso colegial; N. do T.]: "Julgar que há o que seja
tolerável é sempre dar prova de intolerância?" Ou então, numa forma diferente: "Ser
tolerante é tolerar tudo?" A resposta, nos dois casos, é evidentemente não, pelo menos
se quisermos que a tolerância seja uma virtude. Deveríamos considerar virtuoso quem
tolerasse o estupro, a tortura, o assassinato? Quem veria, nessa tolerância do pior, uma
disposição estimável? Mas, embora a resposta só possa ser negativa [o que para um
tema de dissertação, é antes uma fraqueza], a argumentação não deixa de colocar um
certo número de problemas, que são de definições e de limites, e que podem ocupar
suficientemente nossos secundaristas, imagino, durante as quatro horas da prova... Uma
dissertação não é uma sondagem de opinião. É preciso responder, sem dúvida, mas a
resposta só vale pelos argumentos que a preparam e que a justificam. Filosofar é pensar
sem provas [se houvesse provas não seria mais filosofia], mas não pensar qualquer coisa
[pensar qualquer coisa, de resto, não é mais pensar], nem de qualquer jeito. A razão
comanda, como nas ciências, mas sem verificação nem refutação possíveis. Por que não
se contentar, então, com as ciências? Porque não podemos: elas não respondem a
nenhuma das questões essenciais que nos colocamos, nem mesmo às que elas nos
colocam. A questão: "É preciso fazer matemática?" Não é suscetível de nenhuma
resposta matemática. A questão: "As ciências são verdadeiras?" Não é suscetível de
nenhuma resposta científica. Como tampouco – isso é óbvio – as questões relativas ao
sentido da vida, à existência de Deus ou ao valor de nossos valores... Ora, como
renunciar a isso? Trata-se de pensar tão longe quanto vivemos, portanto mais longe do
que podemos, portanto mais longe do que sabemos. A metafísica é a verdade da filosofia,
mesmo em epistemologia, mesmo em filosofia moral ou política. Tudo se sustenta, e nos
sustenta. Uma filosofia é uma conjunto de opiniões razoáveis: a coisa é mais difícil, e
mais necessária do que se crê.
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Dir-se-á que estou me afastando do meu tema. É que não estou fazendo uma
dissertação. A escola não pode durar par sempre, ainda bem. De resto, não é certo que
tenha me afastado tanto assim da tolerância. Filosofar, dizia eu, é pensar sem provas. É
onde também a tolerância intervém. Quando a verdade é conhecida com certeza, a
tolerância não tem objeto. Não toleraríamos que o contador que se engana em seus
cálculos se recusasse a corrigi-los. Nem o físico, quando a experiência diz que está
errado. O direito ao erro só é válido a parte ante; uma vez demonstrado o erro, este
deixa de ser um direito e não dá direito algum: perseverar no erro, a parte post, já não é
um erro, mas uma falta. É por isso que os matemáticos não precisam da tolerância. As
demonstrações bastam para sua paz. Quanto aos que gostariam de impedir os cientistas
de trabalhar ou de se exprimir [como a Igreja contra Galileu], não é a tolerância que lhes
falta primeiramente: é a inteligência e o amor à verdade. Primeiro conhecer. O verdadeiro
prima e se impõe a todos, sem nada impor. Os cientistas necessitam não de tolerância,
mas de liberdade.
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Que se trata de duas coisas diferentes, a experiência basta para atestar. Nenhum
cientista pedirá, nem mesmo aceitará, que tolerem seus erros, uma vez conhecidos, nem
suas incompetências, na sua especialidade, uma vez reveladas. Mas nenhum aceitaria,
tampouco, que lhe ditassem o que deve pensar. Não há outra coerção, para ele, além da
experiência e da razão: não há outra coerção além da verdade pelo menos possível, e é
isso que se chama liberdade de espírito. Qual a diferença em relação à tolerância? É que
esta [a tolerância] só intervém na falta de conhecimento; aquela [a liberdade de espírito]
seria antes o próprio conhecimento, enquanto nos liberta de tudo e de nós mesmos. A
verdade não obedece, dizia Alain; é nisso que é livre, embora necessária [ou porque
necessária], e que torna livre. "A Terra gira em torno do Sol": aceitar ou não essa
proposição não decorre em absoluto, de um ponto de vista científico, da tolerância. Uma
ciência só avança corrigindo seus erros; portanto não poderíamos pedir-lhe que os
tolerasse.
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O problema da tolerância só surge nas questões de opinião. É por isso que ele surge com
tanta freqüência, e quase sempre. Ignoramos mais do que sabemos, e tudo o que
sabemos depende, direta ou indiretamente, de algo que ignoramos. Quem pode provar
absolutamente que a Terra existe? Que o Sol existe? E que sentido há, se nenhum dos
dois existe, em afirmar que aquela gira em torno deste? A mesmo proposição que não tem
a ver com a tolerância, de um ponto de vista científico, pode ter a ver com ela, de um
ponto de vista filosófico, moral ou religioso. É o caso da teoria evolucionista de Darwin:
os que pedem que seja tolerada [ou, a fortiori, os que pedem que seja proibida] não
compreenderam em que ela é científica1; e os que gostariam de impô-la autoritariamente
como verdade absoluta do homem e de sua gênese, entretanto, dariam prova de
intolerância. A Bíblia não é nem demonstrável nem refutável; portanto, ou se crê nela, ou
se tolera que se creia nela.
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É aí que voltamos a encontrar nosso problema. Se devemos tolerar a Bíblia, por que não
Mein Kampf? E, se toleramos Mein Kampf, por que não o racismo, a tortura, os campos
de concentração?
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Uma tolerância universal seria, é claro, moralmente condenável: porque esqueceria as
vítimas, porque as abandonaria à sua sorte, porque deixaria perpetuar-se seu martírio.
Tolerar é aceitar o que poderia ser condenado, é deixar fazer o que se poderia impedir ou
combater. Portanto, é renunciar a uma parte de seu poder, de sua força, de sua cólera...
Assim, toleramos os caprichos de uma criança ou as posições de um adversário. Mas isso
só é virtuoso se assumirmos, como se diz, se superarmos para tanto nosso próprio
interesse, nosso próprio sofrimento, nossa própria impaciência. A tolerância só vale
contra si mesmo, e a favor de outrem. Não há tolerância quando nada se tem a perder,
menos ainda quando se tem tudo a ganhar em suportar, isto é, em nada fazer. "Temos
todos bastante força", dizia La Rochefoucauld, "para suportar os males de outrem."2
Talvez, mas ninguém veria nisso tolerância. Sarajevo era, dizem, cidade de tolerância;
abandoná-la hoje [dezembro de 1993] a seu destino de cidade sitiada, de cidade
esfomeada, de cidade massacrada, não passaria, para a Europa, de covardia. Tolerar é
se responsabilizar: a tolerância que responsabiliza o outro já não é tolerância. Tolerar o
sofrimento dos outros, tolerar a injustiça de que não somos vítimas, tolerar o horror que
nos poupa não é mais tolerância: é egoísmo, é indiferença, ou pior. Tolerar Hitler era ser
seu cúmplice, pelo menos por omissão, por abandono, e essa tolerância já era
colaboração. Antes o ódio, antes a fúria, antes a violência, do que essa passividade
diante do horror, do que essa aceitação vergonhosa do pior! Uma tolerância universal
seria tolerância do atroz: atroz tolerância!
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Mas essa tolerância universal também seria contraditória, pelo menos na prática, e por
isso não apenas moralmente condenável, como acabamos de ver, mas politicamente
condenada. Foi o que mostraram, em problemáticas diferentes, Karl Popper e Vladimir
Jankélévitch. Levada ao extremo, a tolerância "acabaria por negar a si mesma"3, pois
deixaria livres as mãos dos que queiram suprimi-la. A tolerância só vale, pois, em certos
limites, que são os de sua própria salvaguarda e da preservação de suas condições de
possibilidade. É o que Karl Popper chama de "o paradoxo da tolerância": "Se formos de
uma tolerância absoluta, mesmo para com os intolerantes, e se não defendermos a
sociedade tolerante contra seus assaltos, os tolerantes serão aniquilados, e com eles a
tolerância."4 Isso só vale na medida em que a humanidade é o que é, conflitual,
passional, atormentada, mas é por isso que vale. Uma sociedade em que uma tolerância
universal fosse possível já não seria humana, e aliás já não necessitaria de tolerância.
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