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· Há relação entre a violência nacional / internacional e a violência local?
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· Há relação de causa e efeito da violência nacional / internacional sobre a
violência local?
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· Há relação causal inversa, ou seja, da violência local sobre a violência
nacional / internacional?
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· Por que há tão pouca relação causal entre não-violência local e não-
violência internacional?
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· O que podemos fazer?
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Bem-vindos. Quero agradecer pelo convite para ministrar essa palestra. Perdoem por
não falar a sua língua, que é tão bonita, talvez de uma próxima vez.
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Hoje falarei a vocês sobre a violência, que é um tema de vital importância. Mas antes
devo mencionar outros assuntos, que oferecem um pano de fundo para o tema.
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Tive a oportunidade de trabalhar na Organização das Nações Unidas como diretor do
Ano Internacional da Cultura de Paz. Junto com muitas outras pessoas, elaboramos o
programa permanente das Nações Unidas e da UNESCO para a Cultura de Paz. Na
verdade, estamos agora na Década para a Cultura de Paz e Não-violência para as
Crianças do Mundo, que se estende de 2001 a 2010. Soube através de Lia Diskin que foi
produzido em parceria com a UNESCO um livro muito bonito, e sei que haverá mais
livros desta série. Haverá um material muito rico e projetos para esta Década aqui em
São Paulo
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Hoje, entretanto, falarei a vocês na qualidade de cientista. Vamos formular uma
pergunta muito simples, e verificaremos se há uma resposta científica para ela. A
questão é: Qual é a relação entre a violência na família, na comunidade, nas escolas e a
violência ao nível nacional e internacional? Tenho aqui duas referências tiradas de
estudos científicos sobre esta questão.
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O primeiro estudo mostra comparações entre nações. A resposta é muito clara. Nações
que se envolvem em guerras produzem maiores índices de violência em suas
comunidades; índices mais altos de assassinatos, assaltos, e outros tipos de violência
que podem ocorrer na comunidade. Portanto, a primeira constatação científica está
clara. Há um forte relacionamento entre a violência internacional e a violência local.
Para ser mais exato, se examinarmos os períodos antes e durante a guerra, veremos que
nestes anos o índice de homicídios e assaltos cresce, e depois de terminada a guerra os
índices voltam lentamente a cair. O estudo contempla também outros aspectos como,
por exemplo, a pena de morte aplicada a assassinatos e outros crimes. Os dados são
claros, há um relacionamento direto entre a pena de morte e o índice de homicídios.
Quanto mais penas de morte, mais homicídios. E se a pena de morte é abolida, nos anos
que se seguem a incidência de homicídios é menor.
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O segundo estudo não compara nações, mas mostra informação etnográfica vinda da
antropologia. A resposta também é muito clara. Sociedades com grande participação em
guerras também têm altos índices de homicídio, assalto e outras formas de violência. À
medida que essa mesma sociedade se torna mais pacífica, esses índices de violência
caem.
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Em termos científicos, estabelecemos assim o que chamamos de correlação. Sabemos
que há um relacionamento, mas ainda não chegamos à causa e ao efeito. Precisamos
examinar mais a fundo para entender as causas e efeitos. Podemos examinar mudanças
ao longo do tempo. Já que o índice de homicídios cai depois que a pena de morte é
abolida, dizemos que a causa é a pena de morte. Da mesma forma, quando a sociedade
se pacifica e o índice de violência diminui, podemos dizer que a causa é a guerra, a
preparação para a guerra - e o efeito é o alto índice de homicídios. Usando o método
científico, devemos considerar também outros elementos que se interpõem entre a
guerra e o homicídio. No caso são dois: Um é a socialização para a violência. Se
treinarmos nossos jovens para serem soldados e para matar, usarão esse treinamento
também dentro da família e na comunidade. O outro elemento é a questão do padrão
moral e ético. Se o Estado se envolve em violência, ele reitera o direito moral de
praticar a violência. As pessoas passam a considerar que estão moralmente justificadas
a praticar a violência.
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Formularei agora uma outra pergunta. É possível que a violência nas famílias e nas
comunidades (a violência local) seja a causa, e a guerra o efeito? Realmente, ao ler
muitos livros e jornais e assistir à televisão, ficamos com a impressão de que a guerra
internacional é simplesmente o produto de pessoas agressivas. Esta é uma questão
importante. Por isso nos reunimos em 1986 em Sevilha, Espanha, com os maiores
especialistas do mundo todo para discutir a violência. Nós nos colocamos a seguinte
questão: Há algo em nossa biologia, na natureza da nossa condição humana que nos
leva a fazer a guerra? A questão foi examinada do ponto de vista evolutivo, genético,
da fisiologia cerebral (pois a minha especialidade é esta), da sociologia, e juntos,
antropólogos, sociólogos, psicólogos, médicos e especialistas em comportamento animal
chegamos à conclusão de que não ¯ a natureza humana não é naturalmente violenta
nem tão pouco não-violenta.
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Farei ainda uma outra pergunta, para a qual não há uma resposta científica. A maioria
de nossos relacionamentos humanos — na escola, na família, nos governos locais —
transcorre sem violência. A maioria dos relacionamentos não é violenta. E nesse ponto é
preciso fazer uma distinção entre conflito, ódio e violência. Não é possível ter famílias,
comunidades e escolas sem conflito. Há sempre divergências de opinião e sobre como
fazer as coisas. Mas esses conflitos não são necessariamente violentos. Igualmente, é
impossível viver a vida inteira sem às vezes ficar com raiva. A raiva é uma reação
natural à injustiça. Observe as crianças brincando, quando uma acha que a outra fez
algo injusto, fica com raiva. Mas é desnecessário dizer que isto não é violência.
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Portanto a pergunta agora é: Se nós somos capazes de conviver com conflitos e ficar
com raiva sem praticar a violência dentro da família e das comunidades, por que isto
não seria possível ao nível internacional e nacional? Não tenho uma resposta científica
para isto, mas tenho uma opinião política. Durante 5000 anos o Estado tem promovido a
guerra e se identificado com ela. Na verdade o nascimento do Estado se deveu ao
esforço para conquistar escravos e controlá-los. Mais tarde foi para conseguir colônias,
e tivemos o colonialismo. Hoje demos a isso o nome de neo-colonialismo. Portanto, há
fortes interesses no nível do Estado que levam à guerra. Não só à guerra externa, mas
também à guerra para controlar internamente o país. Visto que vocês conhecem muito
bem o caso do Brasil, usarei o exemplo dos Estados Unidos. Nos últimos 150 anos houve
em média 15 intervenções militares dentro dos Estados Unidos envolvendo 15.000
soldados. O Estado tem sido identificado com a guerra há tantos anos — e hoje há
também interesses econômicos para a guerra. Outra coisa muito importante é que o
dinheiro que advém da indústria do armamento (associada com a guerra) é o mesmo
dinheiro que controla os meios de comunicação de massa. Darei a vocês um exemplo: A
Declaração de Sevilha sobre a Violência, de 1986, foi endossada oficialmente pelas mais
importantes associações científicas dos Estados Unidos – a Associação Americana de
Sociologia, a Associação Americana de Psicologia, a de Antropologia. Então, quando a
Declaração foi adotada, convocamos uma entrevista coletiva com jornalistas. Conforme
descrevi no meu artigo sobre a história da Declaração de Sevilha, uma empresa de
notícias nos disse que não estavam interessados, que não era interessante que a guerra
não fosse geneticamente determinada, mas que quando descobríssemos o gene da
guerra, aí sim deveríamos entrar em contato com eles.
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Então, o que fazer? Quando elaboramos o programa de ação pela Cultura de Paz para as
Nações Unidas tratamos de algumas questões bastante importantes. Evidentemente
tratamos da não-violência e da educação, mas também tratamos da participação
democrática e do livre fluxo de informações, pois agora temos uma situação na qual
tanto o processo eleitoral quanto os meios de comunicação tendem a dar o controle
àqueles que lucram com a guerra, e o que precisamos fazer é desenvolver processos
democráticos, meios de comunicação que possibilitem às pessoas falarem o que pensam.
Para fazer isto, devemos acreditar que a maioria das pessoas quer um mundo onde os
conflitos são resolvidos de forma não-violenta. O fundamento está no fato de que a
natureza humana é basicamente não-violenta. A história é violenta, os seres humanos
não. Devemos regenerar a história. Como fazer isto? Creio que esta é a nossa pergunta
mais importante.
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Sei que muitos de vocês estão lidando diariamente com questões como drogas,
violência, conflitos familiares, e é difícil para vocês se preocuparem com questões tão
distantes como a História e as Nações Unidas. Mas nós sentimos a mesma coisa ao
trabalhar para a ONU. Ali nós trabalhamos justamente para nações que têm interesse na
guerra, mas lutamos diariamente para encontrar uma forma de estabelecer contato com
os povos destas nações.
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Portanto, espero que vocês possam entrar em contato com os livros que a Lia está
produzindo e que fazem a ponte entre o que acontece na ONU e o que acontece na sua
comunidade. Reunindo estes dois níveis poderemos construir um mundo de não-
violência.
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Obrigado por sua atenção, agora gostaria de abrir um espaço para discussão.
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