Palestra proferida pelo Dr. David Adams*
a Profissionais de Sa�de
na Biblioteca Municipal M�rio de Andrade,
em S�o Paulo,
9 de outubro de 2002
PARA EVITAR A VIOL�NCIA LOCAL,
TRABALHAR PELA N�O-VIOL�NCIA E PAZ GLOBAL
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Pergunta: Sou Assistente Social, trabalho no pres�dio de Seguran�a M�xima, o maior do
Centro-Oeste do Brasil, onde temos 1100 presos. Como o senhor explica que o Brasil, que
n�o tem guerras, que tem um povo tranq�ilo, esteja vivendo com essa perspectiva de
viol�ncia. Os presos que eu atendo n�o demonstram nenhuma vis�o de futuro. Eles est�o
sem refer�ncia. Como o senhor explica isso? Olhando para os pa�ses que t�m guerra, eu
at� aceito. Mas no Brasil, n�o entendo.

Dr. Adams: � muito dif�cil trabalhar em sistemas onde as pessoas s�o violentas, sempre
ser�. Muito dif�cil. Isto vale para todos que trabalham em pres�dios. Agora, com rela��o �
sua pergunta: Quanto ao Brasil � em vez de falar sobre o Brasil, vou contar uma hist�ria.
Est�vamos em Paris numa reuni�o pela Cultura de Paz da UNESCO com diplomatas de v�rios
pa�ses. Um dos encontros foi com diplomatas africanos, e um deles disse algo muito simples.
"N�o pense que a viol�ncia � um problema africano, mas pergunte a si mesmo tr�s coisas:
1) De onde v�m as armas? 2) De onde v�m os programas violentos da televis�o? 3) Onde
s�o feitas as decis�es econ�micas que determinam quem ser�o os ricos e quem ser�o os
pobres? O Brasil n�o pode escapar da cultura globalizada da guerra. N�o pode escapar da
ind�stria armamentista, do relacionamento com os ex�rcitos de outros pa�ses e as decis�es
pol�ticas feitas por eles; n�o pode escapar da viol�ncia na televis�o, mesmo nos programas
feitos aqui no Brasil. Esta � uma situa��o mundial. Mostrei a voc�s estes estudos para usar
o m�todo cient�fico mas agora vivemos na era da globaliza��o. A Cultura da Guerra � uma
Cultura Global da Guerra.

Mas isto n�o responde � pergunta da nossa amiga sobre os 1100 presidi�rios com os quais
trabalha. O ano passado estive na �frica do Sul numa reuni�o para tratar sobre o tema da
reconcilia��o. O processo que eles usam na �frica � muito diferente do processo judici�rio
usado nos EUA e na Europa. Na verdade � um processo tradicional adotado em toda a
�frica. O objetivo final do processo n�o � a puni��o, mas sim a reconcilia��o. Penso que
precisamos aprender com os africanos e adotar processos de reconcilia��o em vez de
penalidades. Voc�s t�m problemas com o n�mero de presos no Brasil, e existe um enorme
problema prisional nos Estados Unidos. L� existem hoje 2 milh�es de presos. Embora 10% da
popula��o americana seja negra, os negros perfazem 50% da popula��o carcer�ria. Aonde
isto nos levar�? Eu n�o disse que a resposta seria f�cil. Um coment�rio que sempre ouvia
dos colegas africanos � que n�s (do hemisf�rio Norte) temos que come�ar a aprender com
os povos do hemisf�rio Sul.

Pergunta: Sou o Anderson, representante da ONG Jovens do Futuro da zona sul de S�o
Paulo. �s vezes governos e pol�ticos tentam justificar a guerra ao inv�s de compreend�-la.
Como fazer com que o jovem compreenda a guerra, principalmente num sistema globalizado
que for�a as pessoas ao individualismo e ao consumismo. Como fazer com que o jovem
entenda e fa�a com que o governo entenda tamb�m a sa�da para esta situa��o. Ser� que o
homem aprendeu a viver em sociedade?

Dr. Adams: Vamos come�ar com este nosso grupo. Quantos aqui concordam com o
Anderson que � importante criar uma nova gera��o de jovens n�o individualistas, n�o
consumistas? (Todos levantaram as m�os.) Veja, Anderson, somos todos seus colegas. A
maioria concorda com isso. N�s somos a maioria, os que desejam a paz e, portanto, o que
precisamos � descobrir de que maneira podemos trabalhar juntos. Talvez colaborando com
candidatos que estejam comprometidos com esses princ�pios, e que tenham programas para
levar a juventude a realizar esses objetivos.

Pergunta: Sou Vilma do Distrito de Sa�de em S�o Mateus. Acho que a paz � fruto da
justi�a. A falta de oportunidades que os nossos jovens tem � algo assustador. � um engano
pensar que no Brasil n�o existe guerra. A guerra do tr�fico � expl�cita. Falar em constru��o
de uma cultura de paz com tanta injusti�a social e viol�ncia nas escolas � dif�cil. H� uma
parte governamental e uma parte individual por fazer.

Dr. Adams: Vilma, eu concordo com voc�. Acho que por isso � importante que a gente
compreenda o valor da raiva diante de uma indigna��o justa. Como voc� disse, sem justi�a
n�o h� paz. Portanto, se queremos trabalhar pela paz, devemos trabalhar pela justi�a. Mas
isto � um pouco complicado porque h� um grande n�mero de pessoas que acredita que se
pode fazer revolu��es por meio da viol�ncia, e corrigir a injusti�a atrav�s da viol�ncia. Isto
� um problema, (� o caso tradicional de Che Guevara), porque quando se estabelecem
organiza��es secretas e violentas e militaristas, quando estas organiza��es chegam ao
poder, voc� tem um novo Estado que � a mesma coisa que o anterior. Foi o problema da
R�ssia.

Portanto, a luta pela justi�a e a n�o-viol�ncia precisam andar de m�os dadas.
Evidentemente, o problema � que as pessoas que n�o querem a justi�a ir�o empregar a
viol�ncia. Portanto precisamos encontrar formas de lutar pela n�o-viol�ncia, mesmo quando
o outro lado emprega meios violentos. N�o � f�cil. E � dif�cil realmente porque posso
garantir que a televis�o nunca vai mostrar isso. Precisamos criar nosso pr�prio meio de
comunica��o, como falei ao Anderson, encontrar novos meios de lutar pela justi�a e n�o-
viol�ncia. Eu trabalhei no tempo de Martin Luther King. N�s sab�amos que ele seria
assassinado. Mas sab�amos que ele seria ainda mais forte depois de morrer, porque n�s
far�amos dele uma pessoa mais forte, n�s multiplicar�amos o poder dele.

Pergunta: Sou Galeno, coordenador da Associa��o pelos Deficientes. Tive problemas para
entrar aqui por causa das barreiras f�sicas, e esta � uma das maiores bibliotecas do pa�s.
Gostaria de saber se a exclus�o n�o � uma viol�ncia.

Dr. Adams: Eu gostaria de ouvir a sua opini�o sobre isso.

Galeno: � uma viol�ncia contra a cidadania, que provavelmente acontece em outros
pa�ses. � uma falta de sensibilidade para com a condi��o do outro.

Dr. Adams: Obrigado Galeno, tenho certeza de que todos n�s ficamos sensibilizados pelo
que voc� falou, e faremos muito mais pelos deficientes no futuro lembrando do que voc�
disse. A sensibilidade para a condi��o do outro � certamente um fator importante para a
cria��o da cultura de paz.

Pergunta: Sou Helena, do Conselho Popular de Sa�de. Se no ber�o da humanidade, na
�frica, a cultura de n�o-viol�ncia � voltada � reconcilia��o, entendo que em algum
momento da hist�ria da humanidade isto se perdeu. Gostaria de saber o que est� faltando
para que as demais na��es mirem-se no exemplo da �frica. E gostaria de saber se o Dr.
Adams acredita que algum dia essas na��es estar�o interessadas em seguir esse exemplo.
Como julgar os fatos de 11 de setembro dentro da perspectiva da Cultura de N�o-viol�ncia?

Dr. Adams: Eu usei o exemplo da �frica, mas podemos encontrar exemplos em v�rios
lugares do mundo. Esse processo de justi�a atrav�s da reconcilia��o tem sido usado por
muitos povos no mundo ao longo da hist�ria. Tenho certeza que se houvesse um
antrop�logo brasileiro aqui, ele poderia citar exemplos de tribos ind�genas onde o processo
de reconcilia��o � praticado para atingir a justi�a. Podemos aprender esse processo com
muitos povos, e de fato tamb�m com muitas tradi��es familiares, religiosas, comunit�rias,
que s�o tradi��es para resolu��o de conflitos sem viol�ncia. Helena colocou a pergunta de
por que perdemos esta tradi��o. Posso mencionar um exemplo de Ruanda, onde havia uma
tradi��o chamada Ubashingatahe. Segundo a tradi��o, os mais velhos eram treinados para
mediar os conflitos, e quando os colonizadores chegaram, os primeiros a serem mortos
foram esses anci�os mediadores, e por uma raz�o muito simples, porque estes eram os
detentores do poder. A resolu��o n�o violenta de conflitos, conforme aprendemos com
Gandhi ou com Martin Luther King, ou com Nelson Mandela, � uma forma de poder. As
outras formas de poder se colocam em conflito com o poder da n�o-viol�ncia. Portanto, a
luta pela justi�a sem viol�ncia n�o ser� f�cil.

Quanto aos eventos de 11 de setembro, a primeira impress�o de muitas pessoas foi de que
aquilo n�o foi um ato de guerra, mas sim um crime. E como em outros crimes, era
necess�rio achar os culpados e traz�-los a julgamento. No entanto, esta n�o foi a
abordagem do governo americano, que encarou o atentado n�o como um crime, mas como
uma guerra. Assim, enviaram bombardeiros e come�aram a bombardear o povo afeg�o. Se
tivermos um problema de viol�ncia aqui em Vila Mariana, ser� que dever�amos trazer o
ex�rcito americano aqui e bombardear a Vila Mariana? H� uma entrevista muito interessante
com um monge budista (Thich Nhat Hanh) a quem foi perguntado se Osama Bin Laden fosse
pego, o que o monge faria com ele? Ele respondeu de forma muito interessante. Disse que
convidaria todos os melhores tomadores de decis�es do governo, os melhores psic�logos,
soci�logos, historiadores, para uma reuni�o com Osama Bin Laden e diria: "Por que voc� fez
isso? N�s precisamos entender".

Isso nos remete de volta a quest�o de saber ouvir e praticar a justi�a.

Pergunta: O senhor falou sobre a indigna��o, e que a indigna��o n�o � contr�ria � Paz. E
que a justi�a n�o implica na guerra. Isto me fez pensar que no nosso pa�s houve um longo
per�odo de governo militar e tamb�m de revolta armada. Isto n�o levou a uma redu��o da
desigualdade. Vimos tamb�m os ambientalistas lutando pacientemente pela natureza, e
agora come�amos a ter alguns resultados. J� sabemos que nossas matas aumentaram em
2,5%. Durante muito tempo o movimento ambientalista foi ridicularizado, e hoje ainda �
visto como algo menor. � dif�cil manter a indigna��o sem que ela se transforme em guerra.
Isto � o que estamos tentando aprender. Como manter a indigna��o para conquistar mais
justi�a e menos desigualdade, pois esta � a raiz da guerra - conseguindo transformar a n�s
mesmos, conciliar as pessoas, nosso ambiente de trabalho, nossa comunidade, e sem nos
afetarmos muito com esse processo de desqualifica��o que inclusive a imprensa pratica.

Dr. Adams: Como manter nossa luta atrav�s de anos e gera��es? Certamente precisamos
apoiar-nos uns aos outros. Por exemplo, eu disse � Lia Diskin e a outras pessoas aqui que,
embora eu esteja longe nos Estados Unidos, � f�cil manter contato atrav�s da Internet.
Quando me aposentei da UNESCO o ano passado, dediquei seis meses para aprender
programa��o de computador porque estou convencido de que podemos usar a internet,
como eu uso. Fa�o meus pr�prios programas e p�ginas de internet, e passo diante do
computador dez horas por dia. Especialmente porque na outra ponta da internet h�
adolescentes, e acredito que devemos mesmo trabalhar com as crian�as e os jovens.
A paz deveria ser encarada como um jogo de computador que eles queiram jogar.
Os jovens devem estar em contato com jovens em todas as partes do mundo.
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