Palestra proferida pelo Dr. David Adams*
a Profissionais de Sa�de
na Biblioteca Municipal M�rio de Andrade,
em S�o Paulo,
9 de outubro de 2002
PARA EVITAR A VIOL�NCIA LOCAL,
TRABALHAR PELA N�O-VIOL�NCIA E PAZ GLOBAL
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N�o sei se voc�s conhecem a hist�ria da internet. A Internet foi inventada pelos militares,
pois eles temiam que, se a R�ssia bombardeasse os Estados Unidos, os sistemas de
comunica��o seriam destru�dos e o ex�rcito americano ficaria sem condi��es de reagir
militarmente. Inventaram ent�o o sistema que � a base da Internet. Na Internet enviamos
uma mensagem, mas ela n�o vai por uma �nica via, segue por v�rias rotas e depois �
reconstru�da no ponto de destino. Isto significava que, se os russos destru�ssem nove
canais de comunica��o, ainda restariam outros para passar a mensagem. Mas o que os
militares n�o pensaram � que n�o seria poss�vel controlar essas mensagens. Se eu mandar
uma mensagem para algu�m, esta mensagem poder� ser interceptada em alguns pontos,
mas n�o em todos, e de alguma forma, passando pela rede mundial, ela chegar� ao destino.
E naturalmente isto � o que acontece hoje em dia: todos os jovens est�o ligados na
Internet. Assim, se n�s n�o participarmos da Internet, talvez os jovens n�o encontrar�o
outra coisa sen�o pornografia ou outros conte�dos ruins na rede. Portanto, precisamos
trabalhar com os jovens, ao lado dos jovens na Internet. Isto responde � sua pergunta
sobre como manter a indigna��o n�o-violenta quando os meios de comunica��o n�o
ajudam.

N�s precisamos criar nosso meio de comunica��o. E garanto que se tivermos sucesso na
cria��o dessa forma de comunica��o atrav�s da Internet, ent�o os ricos querer�o fazer o
mesmo, pois ver�o que h� possibilidade de lucro.

Pergunta: Se a paz � o caminho, e esse caminho faz parte da vida de cada um de n�s,
como rever e resgatar valores individuais na busca deste caminho sem perder a
especificidade de cada um de n�s?

Dr. Adams: Eu n�o me preocupo com as diferen�as individuais. Sempre haver� diferen�as.
N�o me preocupo com cr�ticas, porque sempre haver� cr�ticas. O que me preocupa � que
diante das cr�ticas, n�s n�o tenhamos a capacidade de ouvir. Sempre haver� diferen�as e
cr�ticas, mas o importante � ter sempre a mente aberta para ouvir e aprender. Fui educado
como cientista e ser cientista � ser algu�m que sabe que n�o sabe. A ci�ncia � a busca
profissional da verdade, e n�o a posse da verdade, e nem sempre � a verdade. Se
encontrarmos um cientista que diz "eu sou um cientista e eu sei", este n�o � um cientista.
Num dado momento o cientista tem o melhor conhecimento que � poss�vel obter naquele
momento, como os dados que coloquei aqui para voc�s. Mas precisamos estar sempre
abertos para o que vir� amanh�.

Lia Diskin: Gostaria de continuar um pouco esta reflex�o sobre os valores. De fato
sabemos que existem valores que s�o universais no sentido de sustentar a vida e permitir
que a vida aconte�a, mas grande parte dos valores sobre os quais estamos refletindo hoje
(mesmo sem cit�-los), como por exemplo o valor da apropria��o, o valor da acumula��o, da
competi��o, do consumo irrespons�vel e obviamente todo o repert�rio de valores que se
desdobram desses, s�o valores eminentemente culturais, gerados por uma cultura que est�
olhando para um horizonte supostamente salutar, desej�vel, promissor, mas cujos
resultados est�o sendo literalmente catastr�ficos.

Estamos aqui reunidos para falar das capacidades, potencialidades e criatividade e, em
�ltima inst�ncia, dos novos horizontes que podemos deixar para as futuras gera��es.
Estamos aqui para perguntarmo-nos se haver� futuras gera��es. Ter chegado a essa
situa��o t�o cr�tica, desesperadora, a uma indiferen�a �s vezes patol�gica, � a grande
quest�o dos valores. Se os valores s�o frutos da cultura, se eles s�o o horizonte que se
persegue, qual dever� ser o novo horizonte que poder� fomentar a sa�de no sistema, criar
um ant�doto, criar um espa�o novo onde as experi�ncias da condi��o humana sejam
poss�veis?

Dr. Adams falou sobre seu encontro com diplomatas do continente africano. Falou das tr�s
perguntas que foram colocadas a ele: De onde v�m as armas? Quem produz os filmes
aterrorizantes que passam na TV? Quem est� decidindo, em �ltima inst�ncia, no campo
pol�tico e econ�mico, quem tem direitos e quem n�o tem direitos?

Isto vem de encontro ao posicionamento de culturas baseadas claramente na apropria��o,
que t�m na apropria��o um valor, que determinam que a apropria��o � algo significante
para a gente, algo que d� sentido � nossa vida. E n�s come�amos a questionar esse valor.
Todos estamos perdendo. N�o h� ganhadores nesse processo.

Pensou-se que a competi��o permitia a alguns ganharem, entre par�nteses, visto que
outros perdem. Mas hoje ningu�m est� ganhando. Falando concretamente, os filhos de
pessoas de posse, pessoas que constru�ram ou herdaram seu universo de possess�es,
est�o entrincheirados, confinados em redutos afastados do conv�vio natural da cidade,
andam em carros blindados, devem freq�entar espa�os muito particulares com cong�neres,
porque n�o se sabe que amiguinhos podem aproximar-se. Hoje temos o inferno de todos.
Ent�o quando tratamos de valores sempre devemos ter em mente que os produtos de uma
cultura s�o produtos de escolhas. E se n�s fizermos novas escolhas, talvez criemos novos
horizontes, para n�s, nossos filhos, nossos netos. Talvez possamos ter um outro tipo de
espa�o, uma outra maneira de estar juntos, outra maneira de confiar uns nos outros e de
propiciar felicidade e conforto uns aos outros.

Pergunta: Boa tarde. Meu nome � Cl�udia. O Dr. Adams nos disse que a natureza do
homem n�o � uma natureza violenta. Estudando a hist�ria do homem, percebo que � uma
hist�ria de viol�ncia. Os homens primitivos eram violentos, muito violentos. Os direitos
humanos vieram justamente para humanizar a viol�ncia. Esta � a hist�ria da humanidade e
da a natureza humana.

Dr. Adams: Cl�udia, as mulheres tamb�m s�o naturalmente violentas, ou somente os
homens? Pois observamos que s� os homens fazem a guerra.

Cl�udia: Sim, elas s�o tamb�m violentas.

Dr. Adams: Ent�o porque as mulheres n�o fazem a guerra?


Refer�ncias bibliogr�ficas:

Adams, David B. �The Seville Statement on Violence: A Progress Report, Journal of Peace Research, 26
(2): 113-121, 1989.

Archer, Dane and Rosemary Gartner. �1984. �Violence and Crime in Cross-National Perspective. �New
Haven, CT: Yale University Press.

Ember, Melvin and Carol R. Ember. �In Press. �Cross-Cultural Predictors of Civil Society, Social Evolution
and History
.

[Transcri��o e Tradu��o: T�nia Van Acker]


*Dr. David Adams

O Dr. David Adams aposentou-se em 2001 da UNESCO onde foi Diretor da Unidade para o
Ano Internacional da Cultura de Paz, que agora se prolonga na D�cada Internacional por
uma Cultura de Paz e N�o-viol�ncia para as Crian�as do Mundo. O Ano Internacional foi o
de 2000, proclamado como tal pela Assembl�ia Geral das Na��es Unidas e UNESCO, que
designaram como seu foco central a responsabilidade pela mobiliza��o de programas,
atividades e recursos junto a todas as organiza��es interessadas.

O Dr. Adams come�ou no programa Cultura de Paz da UNESCO em 1994, no seu
lan�amento. Vindo de uma carreira como professor de Psicologia na Wesleyan University
(Connecticut, EUA), chegou � UNESCO em 1993 como consultor a fim de desenvolver a
proposta para o Programa Cultura de Paz, a pedido do Conselho Executivo da UNESCO.
Suas responsabilidades inclu�am o desenvolvimento de projetos nacionais de cultura de paz,
pesquisa e desenvolvimento do conceito de cultura de paz e treinamento em constru��o de
paz e resolu��o de conflitos.

Na Wesleyan University, e anteriormente na Yale University, atuou como especialista nos
mecanismos cerebrais respons�veis pelo comportamento de agress�o, na evolu��o da
guerra e na psicologia dos ativistas pela paz. Ajudou tamb�m a desenvolver e divulgar a
Declara��o de Sevilha sobre a Viol�ncia. � autor de v�rios livros e muitas publica��es na
�rea da neuropsicologia, fisiologia cardiovascular, gen�tica, etologia, biopsicologia,
psicologia social, antropologia intercultural, hist�ria e �tica. Muitos desses estudos
contribu�ram para lan�ar as bases cient�ficas do trabalho em dire��o a uma cultura de paz.

Hoje sua prioridade � o desenvolvimento de ferramentas para uma cultura de paz na
Internet.
[consulte a se��o "Links" no site do Comit�]
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