Carta do I Encontro Nacional de Pesquisadoras e Pesquisadores Negros em Saúde da População Negra
As iniqüidades em saúde vivenciadas pela população negra brasileira, resultantes das desigualdades históricas do país, impactam diretamente nas condições de vida dessas pessoas que, além de morrerem mais jovens, apresentam maiores taxas de mortalidade por causas evitáveis e maiores frequências de doenças crônicas e infecciosas. Para aprofundar as discussões sobre as pesquisas no campo da saúde da população negra e debater a implementação das políticas de saúde voltadas para negras e negros a Associação Brasileira de Pesquisadores (as) Negros (as) – ABPN; reunidos no VII Congresso Brasileiro de Pesquisadores/as Negros/as (COPENE) realizamos o I Encontro de Pesquisadoras e Pesquisadores em Saúde da População Negra nos dias 15 e 16 de julho na Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC), em Florianópolis-SC.
Considerando os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro no Plano de Ação da III Conferência Mundial contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas (Durban, 2001) reafirmados na Conferência de Revisão de Durban (Genebra, 2009) e na Reunião de Alto Nível da Assembléia Geral das Nações Unidas no 10º Aniversário da Declaração e Programa de Ação de Durban (Genebra, 2010).
Considerando que a Assembléia Geral das Nações Unidas por meio da Resolução A/RES/64/169 de 18 de dezembro de 2009 estabeleceu o ano 2011 como o Ano Internacional dos Afrodescendentes. Considerando os resultados e recomendações da Cúpula Ibero Americana de Alto Nível em Comemoração ao Ano Internacional dos Afrodescendentes, realizada aos 19 de novembro de 2011 em Salvador, Bahia, Brasil, e expressos por meio da Declaração de Salvador assinada pelos Chefes de Estado e o Governo da República Federativa do Brasil, da República de Cabo Verde, da República da Guiné, da República Oriental do Uruguai, o Vice- Presidente da República da Colômbia, a Ministra da Cultura de Angola, o Ministro da Cultura, Alfabetização, Artesanato e Turismo da República do Benim, o Ministro da Cultura da República de Cuba e a Ministra da Cultura da República do Peru.
Considerando que a Assembléia Geral das Nações Unidas por meio da Resolução A/66/460 de 2011 estabeleceu período entre 2012 e 2022 como a Década dos Afrodescendentes no mundo.
Considerando as determinações da Lei 12.288 de 20 de julho de 2010, o Estatuto da Igualdade Racial, especialmente o título II, capítulo I, que reconhece a Política Nacional de Saúde Integral
da População Negra como estratégia necessária para a garantia dos princípios de equidade, universalidade, integralidade e participação social para a população negra no Sistema Único de Saúde.
Considerando que a promoção da inclusão social e a redução das desigualdades é uma das prioridades do Governo Federal. Considerando os objetivos das Políticas Nacionais de Triagem Neonatal, de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias e de Saúde Integral da População Negra que destacam a necessidade e urgência de identificar e enfrentar o impacto do racismo estrutural e institucional na saúde.
Considerando a Agenda Nacional de Prioridades em Pesquisa em Saúde estabelecida pelo Ministério da Saúde após ampla consulta a pesquisadoras e pesquisadores de referência em todo país. Considerando os resultados e recomendações do Fórum “Enfrentando o racismo institucional para promover saúde integral da população negra” realizado nos dias 3 e 4 de julho de 2012, em Brasília, sob a liderança do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS), em parceria com Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República e Ministério da Saúde.
Recomendamos aos Ministérios da Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia, Cultura e à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, para que, em parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, Organismos de Promoção da Igualdade Racial:
1. Ampliar e garantir o financiamento a pesquisas que permitam traçar o panorama da iniqüidade racial, seus impactos na saúde e a formulação, qualificação e implementação de políticas públicas nas diferentes esferas de gestão;
2. Lançar e divulgar amplamente editais nacionais periódicos e editais descentralizados do Programa Pesquisa para o SUS (PPSUS), de fomento às pesquisas em saúde da população negra que garantam:
a. a participação de pesquisadoras e pesquisadores negros, que trabalham com a temática saúde da população negra, na elaboração dos editais e na avaliação dos projetos de pesquisa;
b. a produção de evidências, tecnologias e metodologias que contribuam para o enfrentamento do racismo, a redução das iniquidades raciais e de seus impactos na saúde, para a formulação e aprimoramento das políticas públicas, programas e ações governamentais nas três esferas de gestão;
c. o fomento à pesquisas oriundas de diferentes instituições, notadamente universidades, institutos, centros, organizações da sociedade civil e outros grupos de pesquisa;
d. a adoção de ações afirmativas para a inclusão de pesquisadoras e pesquisadores negros em todos os projetos de pesquisa aprovados para financiamento com verbas públicas e em todas as etapas das pesquisas;
e. o estímulo ao diálogo e articulação entre gestoras e gestores da saúde, pesquisadores e pesquisadoras em saúde da população negra e movimentos sociais, em especial o Movimento Negro em sua pluralidade, Conselhos de Saúde, em todas as etapas do projeto;
f. a analise sobre boas práticas e lições aprendidas no enfrentamento do racismo institucional na saúde;
g. a adoção de mecanismos e instrumentos de transparência no uso dos recursos públicos
h. a ampla divulgação de resultados das pesquisas e estudos, em linguagem acessível públicos diversos, financiados;
i. a inserção, na Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa, dos temas a seguir:
4 SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA
4.1 MAGNITUDE E DINÂMICA DOS PROBLEMAS RELACIONADOS À SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA
4.1.1 Estudo da questão racial no Brasil, seus impactos nas relações sociais e implicações sobre o processo saúde-doença da população negra.
4.1.2 Situação de saúde das populações negras vivendo em remanescentes dos antigos quilombos (quilombolas).
4.1.3 Desenvolvimento de sistema de indicadores de saúde da população negra:
4.1.3.1 Informação estatística do quesito cor e de outras variáveis importantes no monitoramento da eqüidade em saúde;
4.1.3.2 Análise epidemiológica da morbimortalidade por doenças genéticas e por doenças agravadas pelas condições de vida;
4.1.3.3 Revisão sistemática sobre saúde da população negra.
4.1.4 Estudos multidisciplinares sobre doença falciforme:
4.1.4.1 Impacto epidemiológico, determinantes, repercussões e riscos;
4.1.4.2 Clínico-epidemiológicos sobre a heterogeneidade da sintomatologia, ocorrência de complicações e reação adversa a medicamentos;
4.1.4.3 Desenvolvimento de kits básicos para diagnóstico;
4.1.4.4 Vigilância epidemiológica de infecções associadas.
4.1.5 Agravos, incapacidades, morbimortalidade e condições de saúde da população negra e ciclo de vida:
4.1.5.1 Hemoglobinopatias, hipertensão, diabetes mellitus, morbimortalidade e agravos;
4.1.5.2 Deficiência de glicose 6 fosfato desidrogenase, e outras condições genéticas;
4.1.5.3 Infecção por HTLV-I;
4.1.5.4 Doenças sexualmente transmissíveis e HIV/aids;
4.1.5.5 Gravidez na adolescência;
4.1.5.6. Racismo e saúde mental
4.1.5.7. Morbimortalidade por causas externas
4.1.5.8. Morbimortalidade materna
4.1.5.9 Morbimortalidade infantil
4.1.5.10 Doenças negligenciadas
4.1.6 Medicina popular de matriz africana e contribuição das manifestações afro-brasileiras na promoção da saúde.
4.1.7 Farmacologia
4.2 RACISMO INSTITUCIONAL: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS, PROGRAMAS, SERVIÇOS E
TECNOLOGIAS
4.2.1 Estudos sobre identificação e abordagem do racismo institucional, branquitude e poder nos processos de formulação, implementação e implantação da Política de Saude Integral da
População Negra;
4.2.2 Estudos sobre boas práticas e lições aprendidas nos processos de implantação da Política de Saude Integral da População Negra;
4.2.3 Estudos sobre as políticas de discriminação positiva/ações afirmativas na área da Saúde.
4.2.4 Sistemas de indicadores de gestão para monitoramento e avaliação da PNSIPN
4.2.5 Acesso, acessibilidade e qualidade da atenção em saúde para a população negra ao Sistema Único de Saúde
4.2.6 Estudos sobre participação dos movimentos no enfrentamento ao racismo na saúde e no controle social de políticas de saúde
4.2.7 Transversalidade, interseccionalidades e saúde da população negra
4.2.8 Estudos sobre estratégias pedagógicas em saúde da população negra
4.2.9 Estudos curriculares
Pesquisadoras e pesquisadores em saúde da população negra
Florianópolis, 16 de julho de 2012