De que maneira os ensinamentos de Mahatma Gandhi influenciam o mundo moderno, segundo uma de suas maiores estudiosas no Brasil
“Seja a mudança que você quer ver no mundo” é uma das frases de Mahatma Gandhi mais citadas até hoje em vários cantos do planeta e em situações diversas. Isso mostra que os ensinamentos do líder indiano continuam reverberando pelo mundo, 150 anos após seu nascimento e 72 anos depois de sua morte.
O R7 conversou com Lia Diskin — escritora, jornalista, professora, fundadora do Instituto Palas Athena e uma das especialistas na filosofia gandhiana mais premiadas do planeta — para falar sobre como princípios criados pelo Mahatma sobrevivem tanto tempo depois que ele se foi.
Para ela, entre os conceitos criados por ele se destaca especialmente a não-violência, que o ‘pai da Índia’ usou durante mais de 3 décadas para conseguir libertar seu país do domínio de quase 100 anos do Império Britânico.
R7 — Nos 150 anos do nascimento de Mahatma Gandhi, qual é a principal influência dele que ainda podemos ver no mundo?
Lia Diskin — As mobilizações em torno de causas ambientais; de mudanças políticas; de intervenção frente a abusos de poder ou pela legitimação da equidade de gêneros ou de orientação sexual, todas elas na sua grande maioria pautadas em participação não violenta, pacífica, são fruto incontestável das experiências de Gandhi na África do Sul e na Índia.
Quais líderes foram diretamente influenciados por ele?
Martin Luther King, Nelson Mandela, Vaclav Havel entre outros líderes do século 20, encontraram em Gandhi as metodologias libertárias de promover transformações significativas para seus contemporâneos em países e culturas diferentes; o que revela o poder universal das estratégias gandhianas.
Quais exemplos dele nós podemos e devemos seguir no mundo de hoje?
Acredito que nos deparamos com um cenário mundial desafiador em duas frentes: a ambiental, ou seja, na relação que temos estabelecidos com a Natureza, e a da Inteligência Artificial junto com as Tecnologias da Informação, que resultam das nossas capacidades cognitivas. Na primeira seria bom lembrar as próprias palavras de Gandhi: “A Terra tem o suficiente para o sustento de todos, mas não para a ganância de uns poucos”.
E a segunda?
Sabemos que a automação está provocando desemprego no mundo todo, e a inteligência artificial seguramente implicará a extinção de profissões e funções, sobretudo na área de serviços. Gandhi já previa isso quando disse: “Há mais na vida do que aumentar a velocidade”. Desnecessário mencionar as patologias decorrentes do uso descontrolado do celular, das mídias digitais, do desempenho de multitarefas etc. etc.
A paz pela não violência é a saída para os conflitos atuais?
Para os atuais e seguramente para os futuros. A não violência é a forma mais realista e sustentável de resolver conflitos. Estes são inerentes à condição humana e emergem com maior profusão quando há mudanças sociais estruturais em curso. Assim sendo, a presença do conflito evidencia que nos encontramos em um espaço democrático, que acolhe as diferenças e as articula em repertórios cada vez mais amplos e flexíveis, o que significa mais complexos.
Como isso pode ser aplicado?
Na perspectiva de Gandhi o problema ao lidar com conflito é confundir a “questão” da divergência com a “pessoa” da divergência. Esta confusão impede a manutenção de um diálogo, cria o adversário e até a ideia de inimigo. A ruptura já está declarada e a violência entra em cena.
Que mensagem você acha que Gandhi daria para as pessoas de 2019?
Acho que (Ghandi) faria um convite para cultivar a compreensão e a visão profundas: nascemos nus, e quando nos chegue a hora de morrer não vamos conseguir levar pertence ou condecoração alguma. O único possível será deixar uma lembrança cálida e inspiradora para aqueles com quem tivemos oportunidade de conviver, trabalhar junto, construir projetos edificantes ou mesmo sonhar futuros promissores. Para Gandhi, nas suas palavras, “tudo quanto vive é o teu próximo”.
E para os poderosos?
Talvez ele acrescentaria um lembrete com o que devemos evitar para não nos destruirmos: “riqueza sem trabalho; prazer sem responsabilidade; conhecimento sem valores; negócios sem ética; ciência sem compromisso humanitário; religião sem altruísmo; política sem princípios”.
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