Comitê da Cultura de Paz e Não Violência

Com Ana Cristina Olmos

A principal fonte de lazer e informação para a infância e a adolescência, atualmente, é a televisão. Em média, são quatro horas diárias em frente à TV, de onde apreendem e aprendem valores sobre a vida – mais tempo do que muitos passam na escola ou brincando com outras crianças ou relacionando-se com outros jovens.

A TV, como uma “boa mãe” oferece sua “companhia” a qualquer hora do dia ou da noite, nada exige em troca e se confunde com refúgio para os momentos de frustração ou angústia. De certa forma, em alguns lares, ocupa até muitas das funções maternas. Dá sentido à realidade, produz o sentimento de “pertença”. Chega a ser, para algumas crianças, o que de mais importante acontece em sua vida durante o dia.

O hábito cria a necessidade. Do ponto de vista cognitivo, a criança se acostuma passivamente à hiperestimulação sensorial que esse meio proporciona, o que influi na maneira de captar e na construção da capacidade de perceber e pensar a realidade. Os hábitos perceptivos, as funções cognitivas e os processos mentais se modificam. Por isso, tantos adolescentes sentem-se incapazes de ler sem a estimulação sonora, como que para preencher um vazio. Isso favorece processos mentais diferentes, cria outros tipos de respostas emocionais e prejudica o raciocínio dedutivo e a reflexão. É assim que trabalha a publicidade, com seu discurso subjacente.

Os mecanismos de identificação e projeção induzem valores que têm uma adesão emocional. A partir daí, se constrói um estilo  “impulsivo” de escolhas, ao invés de um estilo reflexivo, que propicia não só o consumo de produtos, mas a atitude que, em última
instância, os torna necessários. Disso também decorre a redução das possibilidades de uma percepção crítica.

E, como paradoxo, enquanto somente quem sabe ler costuma se apegar à leitura, a maior dependência (adicção) à televisão ocorre entre aqueles que não dominam sua linguagem e não conhecem seus códigos. Quanto mais frágil a criança, maior o risco de sua manipulação.

O alto consumo televisivo pode refletir dependência ao meio. Crianças “viciadas” em televisão têm risco maior de dificuldades de atenção, memória, concentração e, eventualmente, bloqueio da expressão verbal, necessária ao aprendizado da linguagem. Do
ponto de vista emocional, assim como há relações entre cognição, comportamento e emoção, há repercussões no mundo psíquico da criança com relação aos modelos de identificação veiculados pela televisão.

Quais determinantes participam hoje da produção do universo imaginário infantil? Como a estética da violência seduz a criança? Quais mecanismos inconscientes promovem os valores que a televisão transmite? Que impacto causa na construção da identidade do adolescente a força dos estereótipos do jovem de sucesso com o culto à aparência, os ideais de consumo, a prioridade do “ter” ao “ser”? Que relações podem existir entre a busca pela fabricação de um corpo desejável e inverossímil e o aumento da incidência de transtornos de alimentação na adolescência?

Enfim, uma leitura crítica dos meios de comunicação pode contribuir para um bom uso da televisão, que mostre à criança a diversidade cultural sem preconceitos, que lhe apresente modelos de interlocução e tolerância como formas de resolução pacífica de conflitos, que estimule sua capacidade de pensar e contribua – enquanto meio de educação – para a formação de valores éticos desde a infância, pré-requisito para o desenvolvimento global da criança e do adolescente.

 


Ana Cristina Olmos – Psicanalista de crianças e adolescentes, com especialização em Neuropsicologia infantil; presidente da ONG TVer, e membro do Conselho de Acompanhamento da Programação da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

 


ENTRADA FRANCA
22 de junho de 2004 – terça-feira – 18h
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
Auditório Paula Souza
Av. Dr. Arnaldo, 715 – São Paulo – [Estação Clínicas do Metrô]