Comitê da Cultura de Paz e Não Violência

Suzana Camargo – 15/04/2015 às 14:58

 

“Eu tenho um sonho que um dia meus filhos irão viver numa nação onde eles não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter”.

A frase, que faz parte de um dos textos mais famosos da história – não somente a americana, mas a mundial – foi dita pelo reverendo e ativista negro Martin Luther King, durante seu discurso “I have a dream”, em 1963, em Washington D.C., capital dos Estados Unidos, diante de uma plateia enorme de pessoas, que lutavam pelos direitos raciais.

Se Martin Luther King não tivesse sido assassinado e ainda estivesse vivo, ele veria um país bem diferente nos dias de hoje. Menos de 50 anos depois de seu inesquecível discurso, os Estados Unidos elegeram seu primeiro presidente negro, que se chama Barack Hussein Obama. Filho de um queniano com uma americana, formou-se em Direito na mais prestigiada universidade daquele país: Harvard.

Assim como Obama, o americano Raphaël Sambou acredita que muito de seu sucesso pessoal e profissional se deve a Luther King. Foi o diplomata quem relembrou a história acima. “Eu não estaria aqui hoje se não fosse por ele e outros tantos ativistas americanos”, disse.

Sambou foi um dos convidados a participar da 12ª Semana Martin Luther King, promovida pela Associação Palas Athena, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo. Com apoio institucional da Unesco e do Consulado Geral dos Estados Unidos, o encontro teve dois temas “Diversidade nos Estados Unidos – Uma Perspectiva Atual” e “Linha de Montagem do Preconceito – Reprodução de Uma Mentira”.

Para a  primeira rodada de conversa, além de Raphaël Sambou, outro diplomata do Consulado Americano, Christopher Johnson também deu seu depoimento. Já sobre preconceito, falaram Alexandra Loras, consulesa da França em São Paulo, Renato Janine Ribeiro, ministro da Educação e Thiago Tobias, representante da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação.

Logo no início do evento, Raphaël Sambou contou sobre sua trajetória e os avanços que a comunidade negra conquistou em seu país. Apesar da abolição da escravatura ter sido proclamada em 1863 nos Estados Unidos, apenas cem anos depois os negros ganharam direito ao voto. “Mas hoje, além de Barack Obama, temos muitos negros à frente de grandes multinacionais também”, afirmou. “Já percorremos um longo caminho, entretanto, temos muito ainda a vencer. A marcha de Selma não terminou”, referindo-se à caminhada histórica de manifestantes no Alabama, estado onde aconteceram confrontos trágicos por causa do racismo.

O diplomata americano destacou que o preconceito contra os negros persiste nos Estados Unidos. Recentemente, jovens foram assassinados no país por policiais –claramente por causa da cor de sua pele. Nas prisões americanas, 1,7 milhão de detentos são negros.

Filho de uma imigrante da Nicarágua e pai caribenho, o diplomata negro Christopher Johnson contou que sofreu muito preconceito mesmo dentro de sua comunidade. Por não ter a pele tão negra, era visto como “mais branco do que os outros”. “A imagem do americano africano em meu país ainda é negativa”, acredita.

É justamente como é passada a imagem dos negros, não somente nos Estados Unidos, como em todo mundo – mesmo aqui no Brasil e sobretudo na França – que Alexandra Loras se tornou uma ativista e palestrante sobre o assunto. “Por gerações e gerações fomos condicionados a pensar que homens eram superiores às mulheres, assim como negros eram inferiores aos brancos”.

A consulesa mostrou um vídeo chocante, realizado na década de 50, em que crianças americanas eram confrontadas com bonecas negras e brancas e questionadas quais eram boas ou más. “Imaginem um mundo em que todos os inventores, filósofos e artistas fossem negros. E nas páginas dos livros, só aparecessem duas páginas de seus ancestrais – brancos – que haviam sido escravizados”, disse.

Ao comparar a quantidade de escravos trazida para o Brasil com a daqueles levados aos Estados Unidos, Alexandra falou que em nosso país, o número foi muito maior. Todavia, eles se transformaram numa massa invisível. Ela defende que a imagem do negro deva ser trabalhada de maneira diferente nos livros didáticos e nomes como Teodoro Sampaio, Machado de Assis ou André Rebouças – todos negros – sejam mais valorizados. É hora de parar de buscar culpados. “Precisamos contar coisas positivas, melhorar a autoestima. Não são brancos contra negros, somos todos iguais”.

Filósofo e professor de Ética e Filosofia Política da USP, o ministro da Educação Renato Janine Ribeiro falou sobre tolerância. Segundo ele, temos que aprender com os outros, mesmo que pensemos de forma diferente. Como único branco do debate, como se intitulou, o ministro afirmou que os brancos não são culpados pelo preconceito, mas são responsáveis.

“A maior vergonha é sermos indiferentes ao racismo e ao preconceito”, ressalta Ribeiro. Ele citou Charles Darwin, que ao deixar o Brasil, teria dito que nunca mais queria pisar num país onde houvesse escravidão.

Convidado pelo ministro, Thiago Tobias explicou como é o trabalho da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do governo. O órgão busca integrar ao ensino do país as minorias – negros, mulheres,  indígenas. “Somente o encontro entre inclusão, tolerância e ética vai conseguir superar as desigualdadesno Brasil”.

Uma das principais lições que ficou da noite que discutiu diversidade e preconceito veio da francesa Alexandra Loras. Depois de uma infância difícil, em que sofreu muito com o racismo, hoje a mulher linda e bem-sucedida – orgulhosa da cor de sua pele – prega que “o passado não pode definir nosso futuro”.

Ela é certamente um exemplo disso. E é nosso dever fazer com que todos tenham oportunidades iguais e nossa sociedade seja tolerante e aberta à diversidade.

Matéria original disponível: http://planetasustentavel.abril.com.br/